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Mercado e política são o maior entrave para o desenvolvimento científico pleno, afirma Giovani Berlinger, líder italiano

O líder italiano, membro do Parlamento Europeu, cita como exemplo a desproporção entre o número de estudos ligados a problemas de saúde pública, como a tuberculose, e o daqueles que obedecem a agenda dos países ricos.

O último dia do 11º Congresso Mundial de Saúde Pública, realizado no Rio Centro, RJ, teve como um dos destaques a conferência apresentada pelo líder de esquerda italiano Giovanni Berlinger, componente do Parlamento Europeu e representante da Associazione Aprile.

Em mesa coordenada por Moisés Goldbaum, Berlinger abordou o tema "Novas Fronteiras em C&T: O que Isso Significa para a Saúde Coletiva?".<BR
Ética

Berlinger iniciou sua palestra afirmando a existência de dois aspectos fundamentais para entender a relação entre desenvolvimento tecnológico e saúde pública: mercado e política.

Segundo ele, esses componentes pertencem a um conjunto de influências boas e más para o desenvolvimento científico pleno.

"Ninguém tem o direito de limitar a ciência, assim como qualquer outra expressão de criatividade humana. A supressão pode gerar uma conseqüente depreciação da ciência, das artes e da política", afirmou.

O italiano defendeu a idéia de que tudo deve ser permitido no campo científico - "principalmente sanções", disse ele. A ciência, de acordo com Berlinger, é um campo de polêmica, de construção comum e dessa forma passível de equívocos.

Para ele, a constante discussão acerca dos procedimentos adotados para o desenvolvimento científico pode tirar de trabalhos inadequados as respostas para uma melhor administração da saúde pública.

Ainda no campo da ética, Giovanni Berlinger expôs a necessidade de se pensar em conscientização política, citando o artigo 14 da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, cujo conteúdo aborda a necessidade de os Estados serem responsáveis pela manutenção da saúde pública em suas respectivas nações.

Ele destacou, nesse contexto, o fato de a América Latina estar exposta a procedimentos antiéticos do ponto de vista científico.

"A América Latina é foco de investigações atraentes tanto para os pesquisadores quanto para seus habitantes. A apropriação de informações biologicamente relevantes é facilitada pela existência de cidadãos pouco informados sobre seus direitos", salientou.

Berlinger compara esse panorama ao da época neocolonial, quando cientistas utilizavam métodos suspeitos para comprovar a superioridade racial branca como justificativa para a dominação territorial e cultural.

Mercado

Falando como as políticas de mercado podem influenciar nas dinâmicas da produção científica, Berlinger falou sobre patentes, venda de células e procedimentos éticos.

Para ele, o atual sistema econômico predominante nos países do eixo ocidental não está orientando a ciência de maneira adequada.

"Não se pode impôr esse fundamentalismo econômico que vem ocorrendo desde a década de 1970, em que a justificativa moral é de que livre mercado e progresso científico tornariam acessíveis a todo o mundo o desenvolvimento tecnológico. Isso não parece estar acontecendo", ressaltou.

O italiano também falou sobre o sistema de patentes científicas. Segundo ele, sua existência traduz uma espécie de recompensa pela produção.

"Revoluções no campo científico são louváveis e devem ter valor, mas o aperfeiçoamento progressivo dessas inovações deve ser popularizado", afirmou.

Na opinião de Berlinger, há uma distorção nas prioridades das pesquisas atualmente.

Para ele, a proporção de estudos ligados a problemas básicos de saúde coletiva, como a tuberculose, e a daqueles que obedecem a agenda dos países ricos são bastante discrepantes.

Ele ainda lembrou da comercialização de células reprodutoras e células-tronco, julgando-a incompatível com as normas éticas estabelecidas pela ONU.

Política

Berlinger dedicou a parte final de sua palestra às políticas públicas como forma de melhorar a acessibilidade da população a uma assistência sanitária eficiente.

Ele delineou a trajetória histórica da consolidação de planos de bem estar social, como a criação da assistência social, dos serviços de saúde públicos e da previdência no pós-guerra.

Segundo ele, desde então, pode ser identificada crescente dificuldade no acesso à assistência médica, o que inclui aumento dos preços dos tratamentos - em contrapartida com o aumento dos investimentos em segurança e armamentos, e a redução de políticas públicas de saúde.

"A cada dolar utilizado em ajuda humanitária para os países pobres, esses mesmos países perdem dois dólares em acordos comerciais injustos", afirmou, colocando ONU e países diplomaticamente influentes contra a parede.

Berlinger argumentou que no ano 2000 foi anunciado pelas Nações Unidas um acordo que compreende onze metas a serem alcançadas até 2015, das quais muitas têm a ver com saúde.

"Porém, algumas nobres iniciativas podem apresentar distorções: não se fala nenhum momento sobre eqüidade, não se fala em determinantes sociais, não se fala de maneiras de solucionar o problema", disse.

Berlinger concluiu dizendo que a América Latina é vista como um local próspero e dinâmico, cujos posicionamentos políticos têm assumido progressiva independência com relação à omissão dos países ricos.

Essa posição, na opinião dele, pode ser crucial para a orientação das políticas mundiais de saúde.


Data: 28/08/2006