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Candotti em Rondônia: por um julgamento limpo para membro da Liga dos Camponeses Pobres

O presidente da SBPC, Ennio Candotti, visitou na manhã desta segunda-feira, na Penitenciária de Urso Branco, em Boa vista, o agricultor Wenderson Francisco dos Santos, o Ruço, de 24 anos, preso por suspeita de envolvimento no assassinato de um capataz de fazenda.

Ruço será julgado dentro de uns 10 dias, na Comarca de Jaru. Candotti esteve antes com o juiz Sérgio William Teixeira, da Vara de Execução Penal de Rondônia.

Para Candotti, trata-se de um caso penoso, pois tudo indica não haver provas nem razões para prender o jovem camponês, que nada tem a ver com o caso em questão.

Ruço, na realidade, está detido, porque, não sabendo ler nem escrever, comprou uma moto que havia sido furtada. Como se não bastasse, ele está ameaçado de morte por jagunços de fazendeiros da região.

Mas o juiz Sérgio William Teixeira prometeu acompanhar o caso com máxima atenção e garantir proteção à vida do camponês.

O escritório do advogado Nilo Batista, ex-secretário de Justiça do Estado do RJ, está enviando uma comissão de juristas para defender Ruço, com base na legislação nacional e internacional que asseguram o respeito aos direitos humanos. Entre os advogados está Rafael Fagundes.

Leia a seguir a Carta Aberta sobre a prisão e julgamento de Ruço, que já conta com mais de 260 assinaturas, inclusive as do reitor da Universidade Federal de Rondônia, Ene Glória, Nilo Batista, Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Ennio Candotti:

"Ao povo de Rondônia

Aos camponeses, trabalhadores, intelectuais, democratas e honestos de todo o Brasil

Provavelmente no mês de agosto, estará indo a júri popular, em Porto Velho, Rondônia, o camponês Wenderson Francisco dos Santos, o Ruço.

Este júri não terá as luzes e a milionária cobertura da imprensa, Internet, jornais, rádios e televisões, como a que vem sendo dedicada ao assassinato de um casal da classe média alta de SP, ao que tudo indica cometido pela própria filha e seu namorado.

Mas será centenas, milhares de vezes mais importante.

Pois, junto com Ruço, no banco dos réus, estará em jogo a saga de milhões de brasileiros pobres, particularmente dos camponeses que vivem em Rondônia.

Ruço chegou em Rondônia com seu pai no início dos anos 90. Seu Odiel veio de Belo Horizonte, onde chegou expulso pela miséria de uma das regiões mais pobres de Minas, do Brasil e do mundo, o Vale do Jequitinhonha.

Trabalhando como vigilante, ganhando pouco mais que o salário mínimo, com problemas de saúde, seu Odiel empreendeu o caminho de volta para o campo, foi para Rondônia.

Conseguiu um lote, plantou café. A saca entre R$ 190,00, R$ 200,00. No final dos anos 90, crise. A saca a menos de R$ 50,00. O caso se repete.

No Brasil, latifundiários conseguem repetidos perdões de suas milionárias dívidas com os bancos oficiais, enquanto circulam com carros do ano e roupas de grife.

Os camponeses pobres preferem honrar o nome. O pai de Ruço, "seu" Odiel, vendeu seu lote.

Foi trabalhar com os filhos que, mesmo jovens, vendo as agruras do pai, decidiram lutar pela terra junto com a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia, cuja origem remete às famílias que resistiram ao bárbaro, cruel e covarde ataque das forças policiais do Estado na Fazenda Santa Elina, Corumbiara, sul de Rondônia,1995, cujas cenas de torturas e execuções sumárias chocaram a nação, e até hoje, passados mais de 10 anos, estão impunes.

Ruço, seu pai e seus irmãos viviam e trabalhavam em Cujubim, norte de Rondônia, em 2003, quando se acirram as contradições no campo.

Ao contrário de todas as expectativas alardeadas após o resultado do processo eleitoral de 2002, aumentam as mortes de camponeses assassinados por pistoleiros a mando de latifundiários, como denunciaram diversas entidades nacionais e internacionais, e como reconheceu a própria Ouvidoria Agrária Nacional, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

É neste cenário que, em Jaru, na região de Seringal, distante aproximadamente 200 Km de Cujubim, o latifundiário Antônio Martins dos Santos, conhecido na região por "galo velho", dono da Leme Empreendimentos, citado no "Livro Branco da Grilagem de Terras" (Ministério do Desenvolvimento Agrário, 1999-2002) como um dos maiores grileiros do país, espalha o terror na região.

Seus pistoleiros, a céu aberto, em plena luz do dia, fazem bloqueios nas estradas vicinais, revistando e humilhando camponeses, incendiando barracos e espalhando ameaças de morte na região.

Os camponeses acampados na área procuraram a justiça, pelo seu advogado peticionaram solicitando a inclusão da área como "área de conflito agrário", tentaram acionar o próprio Incra, mas nada, as autoridades fizeram ouvidos de mercador.

Em circunstâncias no mínimo estranhas, um dos pistoleiros de "galo velho" aparece morto, e aí então surgem do nada as autoridades do Estado.

Começa o calvário de Ruço. Junto com outros dois camponeses ativistas da Liga dos Camponeses Pobres, é preso.

Acusado por outro conhecido pistoleiro (guaxeba, como falam os camponeses de Rondônia), parente de "galo velho", que em depoimento não confirmado posteriormente afirmou ter reconhecido "Ruço" mascarado a 100 metros de distância. Pasmem!

Se os outros dois camponeses foram liberados por insuficiência absoluta de motivos para que permanecessem detidos, foi desencravado contra Ruço um processo antigo por um conflito em um bar, transformada a acusação em tentativa de homicídio, e Ruço condenado.

Desde então, o camponês pobre Wenderson Francisco dos Santos, o Ruço, passou a ser um refém do latifúndio contra o movimento camponês combativo.

Preso, Ruço não pôde comparecer ao enterro do pai.

Só escapou da morte na cadeia de Jaru pela intervenção firme dos outros presos, quando pistoleiros conhecidos na cidade e ligados a "galo velho", foram detidos por crimes diversos (todos foram soltos posteriormente), e urdiram uma intriga para assassiná-lo.

Quando, enfim, já cumprira parte da pena a que fora condenado e teria direito a liberdade provisória, mesmo diante da manifestação do Ministério Público a seu favor, Ruço foi mantido preso, conforme reconheceu a própria autoridade, por ser "membro da Liga dos Camponeses Pobres".

Diante da insistência de seu advogado em enfrentar sua prisão arbitrária, Ruço foi visitado na cadeia por suposto representante de uma seção regional da OAB, advogado, por sinal sócio de um irmão de "galo velho" em escritório em Porto Velho, que o pressionou para que destituísse seu representante legal para que o "Júri" fosse realizado rapidamente.

Absurda vilania e falta de ética profissional, comprometendo o nome de uma entidade respeitada por suas tradições democráticas.

Mais ainda.

Após manifestação pacífica de camponeses em Jaru pedindo sua libertação, Ruço foi ilegalmente transferido para a famigerada penitenciária de Urso Branco, em Porto Velho (repetidamente condenada, por organismos da própria OEA, pela violação dos direitos humanos), sob a alegação de que os camponeses pretendiam invadir a delegacia de Jaru para retirá-lo à força.

No Urso Branco, como todos os outros presos, Ruço tem sido submetido a toda sorte de torturas morais e psicológicas, como pretendem qualificar os que definem a tortura somente quando ocorre o espancamento de um cidadão.

Já basta!

Os inocentes não podem continuar pagando por crimes que não cometeram, carregar nas costas o fardo de 5 séculos de latifúndio!

Tomamos a liberdade de nos dirigir aos rondonenses, com humildade mas reconhecendo que nossas assinaturas nesta carta representam significativa parcela dos democratas brasileiros, no sentido de manifestar apoio e esperança de que a decisão do júri popular resgatará a verdade, a justiça, e impedirá que se consume mais uma condenação, como tantas na história, que depois se transformarão em exemplos de uma sociedade putrefata moral, econômica e socialmente, onde prevalece o poder econômico e a opressão."Candotti em Rondônia: por um julgamento limpo para membro da Liga dos Camponeses Pobres.


Data: 04/09/2006