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Isaac Roitman: "Há uma correlação de desenvolvimento científico e tecnológico de um país com a qualidade de vida de seu povo"

"O conhecimento científico é o capital mais importante do mundo civilizado. Investir em sua busca é investir na qualidade de vida da sociedade", afirma o professor Isaac Roitman, 67 anos, presidente da Comissão Nacional de Avaliação de Iniciação Científica do CNPq

A comissão é o órgão que assessora o conselho nas políticas de formação de jovens cientistas brasileiros

Doutor em microbiologia pela Universidade Federal do RJ, Roitman se diz orgulhoso por ter concluído o ensino médio e o ensino fundamental em escolas públicas. Para ele é preciso estimular crianças e jovens por uma formação de qualidade, que ultrapasse os limites das salas de aula e os levem a confrontar sua própria realidade.

"Só assim poderemos elaborar protocolos mais efetivos para o desenvolvimento sustentável e para a preservação da biodiversidade".

Por que o senhor escolheu a carreira científica? E em que áreas ou linhas de pesquisa trabalha atualmente?

- Escolhi a carreira científica por ter tido a oportunidade de ter contatos com excelentes educadores e cientistas desde o ensino fundamental e médio, na escola pública ao doutorado na Universidade Federal do RJ. Trabalhei em pesquisa até 1995 quando me aposentei da Universidade de Brasília. Atuei principalmente no estudo da fisiologia de microrganismos e mais especificamente de protozoários da família Trypanosomatidae, na qual estão incluídos microrganismos patôgenicos que causam enfermidades como a Doença de Chagas e as Leishmanioses. Após minha aposentadoria dediquei-me à gestão educacional e de ciência e tecnologia e desde 2004 presido a Comissão Nacional de Avaliação de Iniciação Científica (CONAIC/CNPq) que assessora a Diretoria do CNPq nas políticas de formação de jovens cientistas. Atualmente sou diretor do Departamento de Políticas e Programas Temáticos do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Sendo o Brasil um dos países com maior biodiversidade no mundo, como o senhor avalia hoje as iniciativas nacionais em prol do uso racional de recursos naturais e do desenvolvimento sustentável?

- Infelizmente ainda estamos longe de aproveitarmos e socializarmos o grande potencial que representa a diversidade natural em nosso país. Na teoria temos uma riqueza natural da qual poderíamos desenvolver novos medicamentos para o combate de inúmeras doenças. No entanto, não construímos um sistema independente para estruturar uma cadeia tecnológica de medicamentos. É bem verdade que tivemos certos avanços na introdução de alguns marcos regulatórios, mas não ganhamos a batalha contra a destruição da biodiversidade. A realização da Rio-92 e a criação da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foram, sem dúvida, avanços importantes. Além disso, podemos citar a criação do Programa Nacional de Diversidade Biológica (Pronabio), em 1994 e do Conselho Nacional de Biodiversidade (Conabio), em 2003. O lançamento em 1999 do o Biota Fapesp, um programa de caracterização, conservação e uso sustentável da biodiversidade do estado de SP também serviu de inspiração para a criação em 2004 do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), que tem como objetivo articular as competências regional e nacional, de forma planejada e coordenada, para que seja ampliado e disseminado o conhecimento da biodiversidade.

O país também sediou em março, em Curitiba, a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), o maior encontro sobre o assunto realizado no mundo. Como o senhor avalia essa reunião? Podemos afirmar que houve avanços significativos no que se trata de riscos e impactos ao meio ambiente?

- Em geral os avanços nos acordos internacionais são muito lentos e complexos. Essa lentidão é lamentável, pois a diversidade biológica faz parte de um processo dinâmico e enquanto se discute normas regulatórias e ações, várias espécies de nossa fauna e flora desaparecem. Estima-se que 30 mil espécies são extintas por ano. Assim a cada dia que nada fazemos cerca de 82 espécies desaparecem. Um dos avanços da COP-8 foi o estabelecimento de um calendário para a criação de regras internacionais voltadas ao uso e repartição dos lucros oriundos do uso de recursos genéticos e de conhecimento de populações tradicionais, como as populações indígenas.

Como o senhor avalia a saúde ambiental do Brasil atualmente? Podemos dizer que estamos vencendo o desafio da sustentabilidade, que criamos um modelo de exploração dos recursos naturais menos perverso e mais preocupado com a harmonia entre as atividades humanas e o meio ambiente?

- Não diria que estamos vencendo o desafio da sustentabilidade. A preocupação da harmonia entre as atividades humanas e o meio ambiente não é suficiente para preservar a saúde ambiental do país. Temos um defeito cultural que é a incapacidade de pensarmos e planejarmos no longo prazo. Se cuidarmos de nosso país e de nosso planeta pensando apenas nas próximas dez gerações, certamente vamos comprometer a própria existência da vida.

Que comparação o senhor faria, em termos de biodiversidade e de importância das espécies, entre o Brasil e outras áreas do mundo de natureza privilegiada, como a Austrália, a África ou Bornéo?

- Muitos países desenvolvidos utilizaram estratégias equivocadas que causaram sérios prejuízos à sua biodiversidade. Nos países como a Austrália, África, Bornéo ou mesmo o Brasil há uma grande preocupação na conservação da diversidade biológica. Entretanto, a implementação de ações para essa preservação é determinante. A CDB, por exemplo, foi ratificada pela Austrália em fevereiro de 1993, enquanto no Brasil, o mesmo aconteceu um ano depois, em fevereiro de 1994. Nesse espaço de tempo 30 mil espécies foram extintas.

Por que estudar o mecanismo, a distribuição e a própria recuperação da biodiversidade é fundamental? O senhor acha possível a aplicação do princípio do Desenvolvimento Sustentável no Brasil e no mundo?

- Nossos conhecimentos sobre as espécies de plantas, animais e microrganismos é ainda bastante incipiente. Só conhecemos 17% das espécies existentes. Creio que com um melhor conhecimento da taxonomia, morfologia, fisiologia e da genética dos seres vivos poderemos elaborar protocolos mais efetivos para o desenvolvimento sustentável.

Como a microbiologia da conservação ajuda a superar o impasse causado pela destruição do meio ambiente? Como o microbiologista atua?

- A bioremediação microbiana é uma estratégia promissora e vem sendo utilizada no saneamento ambiental. Os microrganismos têm grande capacidade de degradar uma imensa variedade de compostos orgânicos. Já algumas bactérias têm capacidade de utilizar hidrocarbonetos como fonte de carbono e energia. Elas podem ser utilizadas para diminuir quantidades de derivados do petróleo, principalmente nos chamados desastres ecológicos. A função do microbiologista é identificar mais espécies de microrganismos que tenham capacidade de degradar substâncias orgânicas, causadoras de poluição no solo e na água.

O senhor acredita que a temática ambiental vem sendo efetivamente discutida nas escolas? Como podemos ter adultos que saibam gerenciar de forma sustentável os recursos naturais quando não os preparamos desde cedo para essa tarefa?

- Nenhuma temática, inclusive a ambiental, é discutida adeqüadamente hoje nas escolas. Quando constatamos que cerca de 50% das crianças que estudam durante quatro anos nas escolas públicas continuam analfabetas, a conclusão é que alguma coisa muito grave está acontecendo. Os educadores têm um papel fundamental na conscientização das crianças e dos jovens sobre as questões ambientais. Em primeiro lugar é preciso manter o entusiasmo de nossos educadores. Em segundo é preciso que eles tenham a oportunidade de se manterem atualizados e munidos de instrumentos didáticos, com o objetivo de construir uma consciência ambiental em nossa sociedade.

Por que um país precisa investir na pesquisa científica? Como anda a pesquisa científica no Brasil sobre a biodiversidade?

- O conhecimento científico é o capital mais importante do mundo civilizado. Investir em sua busca é investir na qualidade de vida da sociedade. O investimento na pesquisa científica tem como principal objetivo o conhecimento de tudo que nos cerca. Há uma correlação de desenvolvimento científico e tecnológico de um país com a qualidade de vida de seu povo. No Brasil, a pesquisa científica sobre biodiversidade é considerada de boa qualidade. Entretanto, é preciso mais investimentos. É necessário, por exemplo, estimular as crianças e jovens por uma formação de qualidade, que ultrapasse os limites das salas de aula e os levem a confrontar sua própria realidade. Só assim poderemos elaborar protocolos mais efetivos para o desenvolvimento sustentável e enfrentar o desafio da preservação da biodiversidade.

O que o senhor pensa sobre iniciativas como o Prêmio Jovem Cientista? E que mensagem deixa para os estudantes do ensino médio e que desejam pesquisar as áreas que englobam o tema: "Gestão Sustentável da Biodiversidade: Desafio do Milênio"?

- O Prêmio Jovem Cientista é uma iniciativa exemplar, pois além de ser um instrumento de motivação da sociedade para o conhecimento, ele tem o caráter de ser uma ferramenta de iniciação da juventude na pesquisa científica, no confronto com aquilo que a cerca. O relógio não anda para trás. Portanto, não percam tempo. Mesmo com uma colaboração modesta, cada um de nós, pode contribuir para a preservação desse milagre chamado vida.


Data: 04/09/2006