Vacina contra câncer é desafio para a CTNBio, artigo de Fernando Reinach
 Com os lançamentos no mercado de duas vacinas recombinantes que previnem a doença, há esperança de que um dia esse tipo de câncer [colo do útero] seja erradicado
Fernando Reinach - Biólogo e diretor da empresa de biotecnologia Allelix
Tenho uma relação sentimental com o câncer de colo de útero. Ela surgiu durante meu doutoramento, feito nas bancadas do laboratório onde George Papanicolaou desenvolveu o teste que leva seu nome.
Entre 1913 e 1961, na Universidade de Cornell, o imigrante grego Papanicolaou desenvolveu um teste capaz de detectar precocemente a doença.
O teste permitiu reduzir drasticamente a incidência do tumor nos países desenvolvidos. Com os lançamentos no mercado de duas vacinas recombinantes que previnem a doença, há esperança de que um dia esse tipo de câncer seja erradicado.
Papanicolaou descobriu que pequenas "verrugas" (papilomas) surgiam no colo do útero e com o tempo originavam tumores.
Anos depois foi descoberto que as verrugas eram causadas por um vírus, o papilomavírus humano (HPV), transmitido sexualmente. A descoberta trouxe a possibilidade de combater o tumor com uma vacina que impedisse a reprodução do vírus.
Mas, para produzir a vacina, era preciso identificar quais das centenas de tipos de HPV causavam tumor e depois reproduzi-los em grande quantidade. O fato de o vírus existir em pequenas quantidades nos tumores atrasou por anos o desenvolvimento da vacina.
Foi nesse ponto que as técnicas modernas da biotecnologia fizeram a diferença. Os cientistas isolaram os genes dos diversos tipos de HPV que causam a doença e identificaram os genes responsáveis por produzir as proteínas da cápsula do vírus, uma espécie de casca que fica em sua superfície protegendo o DNA.
Uma vez dentro da célula, o vírus começa a se reproduzir induzindo a formação dos papilomas.
Essa "casca" é reconhecida pelo sistema imune e é a partir dela que se produz a vacina. Mas para isso é necessário produzir uma grande quantidade da casca livre de DNA de modo a garantir que a vacina não contenha vírus vivos.
Uma das empresas que desenvolveram a vacina recrutou para essa missão o fungo Sacharomices, o mesmo que é usado para fazer cerveja. Construiu um fungo transgênico contendo os genes da casca do vírus e, com esse truque, transformou-o em uma verdadeira fábrica de cascas de HPV.
Outra empresa recrutou as células de um inseto e colocou nelas os genes, também produzindo um organismo transgênico. Do mesmo modo que o fungo, as células passaram a produzir uma grande quantidade da casca.
Feito isso, o resto é simples. Tanto o fungo quanto as células de inseto podem ser criados em laboratório, onde a casca é purificada e embalada. A vacina está pronta para ser utilizada.
O rótulo dessa vacina indica que ela é "recombinante" exatamente porque foi produzida em organismos geneticamente modificados (OGMs).
É também por esse motivo que no Brasil essas vacinas têm que ser aprovadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e por um conselho de ministros antes de serem comercializadas.
Só resta esperar que tais órgãos confirmem o atestado dado pelos EUA e que as vacinas sejam comercializadas legalmente.
Data: 06/09/2006
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