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Le Monde": por que os ciclones ficaram mais numerosos e violentos?

Segundo os cientistas, por mais que elas tenham sido excepcionais e consecutivas, as temporadas violentas de 2004 e 2005 não chegam a constituir uma tendência

Já faz cerca de uma década, a atividade ciclônica mundial parece ter conhecido um crescimento notável. Há pouco mais de um ano, o Katrina devastava Nova Orleans, coroando uma temporada de ciclones de uma excepcional intensidade no Atlântico Norte.

Desde que levantamentos científicos para cada estação do ano foram implantados nesta região do mundo - ou seja, desde o início do século 20 -, nunca nenhuma temporada mais violenta havia sido assinalada.

Entre os dias 1º de junho e 30 de novembro de 2005, 27 tempestades tropicais formaram-se no Atlântico Norte - enquanto a média se situa e

Três dentre elas alcançaram o quinto e mais elevado grau na escala de Saffir-Simpson, com ventos aproximando ou ultrapassando 300 km/h.

Excepcional, a temporada de 2005 sucedeu a uma temporada de 2004 que também havia se situado amplamente acima das normas, com 16 tempestades que engendraram 9 furacões.

Contudo, duas temporadas violentas, por mais que elas tenham sido excepcionais e consecutivas, não chegam a constituir uma tendência.

Ainda assim, a maioria dos climatologistas concorda com a análise segundo a qual, desde 1995, a região do Atlântico Norte conheceu um maior número de fenômenos ciclônicos. Mais violentos e mais numerosos.

O Atlântico Norte está no centro das atenções em razão da presença das costas americanas, e das infra-estruturas petroleiras instaladas em volta do golfo do México. Mais ela não é a única região propícia para o nascimento de ciclones.

Esses fenômenos perigosíssimos nascem em cinco outras áreas oceânicas. As atividades de cada uma dessas bacias oceanográficas não são governadas por uma tendência única.

No Pacífico, alguns fenômenos ocorridos recentemente têm um caráter histórico.

Em contrapartida, a temporada de 2006 no Atlântico Norte está se revelando mais calma do que haviam anunciado as mais recentes previsões da NOAA (National Oceanographic and Atmospheric Administration, agência americana responsável do estudo dos oceanos e da atmosfera).

Desde o dia 1º de junho, apenas cinco tempestades tropicais no Atlântico foram batizadas até agora: Alberto, Beryl, Chris, Debby e Ernesto, a qual foi a única dessas depressões, ao menos por enquanto, a ser promovida à categoria de furacão.

Uma "promoção" que, aliás, durou apenas seis horas, uma vez que Ernesto foi "rebaixado" à categoria de simples tempestade ao se aproximar da orla da Flórida, antes de ver sua potência definhar quase que por completo.

Verdade no Atlântico, erro no Pacífico. Com ventos cujo ápice se aproximou de 260 km/h, o tufão Saomaï (o termo de "tufão" é utilizado no Pacífico, mas corresponde ao furacão no Atlântico), que se abateu em meados de agosto sobre a China e provocou a morte de mais de 400 pessoas, foi o mais violento registrado desde 1956.

Um fato raro, a formação de Saomaï ocorreu quase simultaneamente com aquela de dois outros tufões, Maria e Bopha.

Esses três eventos se inscrevem num início de temporada muito ativo no noroeste do Pacífico, uma vez que ela já engendrou 13 tempestades, das quais 7 se transformaram em tufões, ao menos por enquanto.

Em meados de agosto, essas intempéries haviam exigido o deslocamento de mais de um milhão e meio de chineses. Além do mais, no noroeste do Pacífico, a temporada ciclônica iniciou-se em maio, e não em junho, conforme costuma acontecer em geral.

Entra a atividade das diferentes bacias ciclônicas, alguns meteorologistas constatam a ocorrência de um efeito de "vasos comunicantes", segundo a expressão utilizada por Roland Mazurie, um engenheiro da previsão do tempo no centro Antilhas Guiana de Météo France.

Assim, os cientistas concordam geralmente com a avaliação de que em nível mundial, considerando todas as regiões ciclônicas do mundo, o número de tempestades tropicais permanece estável.

Portanto, não está havendo epidemia nenhuma.

Entretanto, os estudos de Peter Webster, um pesquisador no Instituto de Tecnologia da Geórgia, seguidos por aqueles de Kerry Emanuel, um pesquisador no Massachusetts Institute of Technology (MIT), demonstraram que a proporção de ciclones das categorias 3, 4 e 5 tende a aumentar.

E que a energia média dissipada pelos ciclones tende também a aumentar. Esta última, segundo certas pesquisas muito discutidas, aumentou em 70% no decorrer dos últimos trinta anos.

Dois fatores são as causas principais deste aumento: ventos mais rápidos em cerca de 15%, e uma duração de vida dos fenômenos ciclônicos mais longa, em cerca de 60%.

Quais seriam as razões desta virulência exacerbada? O aumento das temperaturas na superfície das águas oceânicas.

Para que um ciclone possa se formar, o mar deve estar numa temperatura de pelo menos 26 ºC a 27 ºC, até uma profundidade de cerca de cinqüenta metros ao menos.

Descrita nas suas grandes linhas, a função termodinâmica do ciclone tropical se resume à conversão da energia térmica estocada pelos oceanos em energia mecânica.

Portanto, parece ser natural que o aumento da temperatura das águas de superfície contribua para a formação de ciclones mais devastadores...

Mas, parâmetros outros que a temperatura de superfície também participam do processo e devem ser levados em conta.

A distribuição vertical dos ventos, em particular, é crucial: se a direção ou a intensidade dos ventos for diferente entre a superfície e a alta troposfera, a formação do ciclone não poderá ocorrer.

Aquecimento, o "vilão"

A destruição de Nova Orleans pelo furacão Katrina, no final de agosto de 2005, teve um efeito colateral inesperado.

Apontado por alguns climatologistas como sendo a causa principal do aumento do número e da intensidade dos ciclones no Atlântico Norte, o aquecimento global vem adquirindo, nos EUA, uma importância crescente no debate público.

Uma pesquisa de opinião que foi realizada neste verão pelo instituto Zogby indica que não só 74% dos americanos dão como certa a realidade do aquecimento climático, como 68% dentre eles lhe atribuem uma responsabilidade no nascimento e na recorrência de furacões muito poderosos, tais como o Katrina.

Tais conclusões não deixam de ser precipitadas em demasia. Os cientistas não conseguiram chegar a um consenso a respeito desta possível relação de causa a efeito.

Pior ainda, a politização e a forte exposição na mídia desta questão conduziram a discussões particularmente acrimoniosas entre alguns pesquisadores.

Nos últimos dois anos, um bom número de estudos estabeleceu que, considerando-se todas as regiões do planeta, a energia média dissipada pelos fenômenos ciclônicos está aumentando.

Além disso, eles conseguiram estabelecer vínculos entre o aumento dessa atividade com o aumento da temperatura na superfície dos oceanos.

Ora, é de notoriedade pública que o aquecimento climático contribui para aumentar a temperatura na superfície dos oceanos.

A conclusão poderia então parecer evidente: o aquecimento contribui para aumentar a violência dos ciclones tropicais. Há objeções.

Para alguns pesquisadores, tais como Chris Landsea, do National Hurricane Center (Centro Nacional dos Furacões), os bancos de dados nos quais estão registrados e descritos os fenômenos ciclônicos que vêm ocorrendo desde os anos 50 são pouco confiáveis, enquanto os ensinamentos estatísticos que deles são extraídos são considerados como duvidosos.

Outros cientistas invocam a existência de ciclos multi-decenais que parecem ritmar a atividade ciclônica fora de toda ação humana.

Eles também insistem no fato de que certos parâmetros, tais como a distribuição vertical dos ventos, poderiam ser modificados pelo aquecimento, o que perturbaria a gênese dos ciclones.

Outros pesquisadores, minoritários, contestam até mesmo que a atividade ciclônica tenha aumentado nos últimos anos.

É o caso de Roger Pielke, um pesquisador no centro de estudos em política científica e tecnológica da universidade do Colorado.

As suas pesquisas sugerem que os danos materiais ocasionados pelos ciclones nos EUA permanecem estáveis desde os anos 70, uma vez normalizados os parâmetros demográficos e econômicos das regiões atingidas.

A intensidade da atividade ciclônica não constitui o único indicador de uma mudança que está acontecendo.

Os climatologistas se interessam em fenômenos raros - e até mesmo inéditos - que parecem estar se produzindo com freqüência cada vez maior.

Um deles é o do furacão Catarina que, em março de 2004, formou-se em alto-mar, não longe das costas do Brasil, enquanto o Atlântico Sul não constitui uma bacia propícia para o nascimento de ciclones.

Dois meses antes, uma tempestade tropical também se formara na mesma zona, acentuando mais ainda o caráter excepcional da temporada de 2004.

De memória de meteorologista, o único precedente deste fenômeno foi a formação de une tempestade tropical em alto-mar, à altura da orla de Angola, em 1991.

Da mesma forma, Vince, um dos últimos furacões da temporada de 2005, passou muito perto da orla portuguesa em meados de outubro. Este fato é inédito.

Numa tendência que se revela mais espantosa ainda, vários fenômenos envolvendo acentuadas depressões atmosféricas e apresentando similitudes com os ciclones tropicais foram registrados, entre 1995 e 1999, no mar Mediterrâneo. (Tradução: Jean-Yves de Neufville )


Data: 06/09/2006