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Ambientalista quer Exército no combate ao desmatamento

Para Paulo Nogueira-Neto, militares deveriam ir até as áreas desmatadas na Amazônia e fazer apreensões e prisões

Para O ambientalista Paulo Nogueira-Neto, 84, que foi o primeiro secretário especial do Meio Ambiente do país, só o Exército pode acabar com o desmatamento da Amazônia.

Segundo ele, os militares deveriam ir às áreas desmatadas e fazer prisões e apreensões. Ele diz que o anúncio de queda de 11% no desmatamento em 2005-2006 em relação ao biênio anterior é positivo, mas falta muito a fazer.

Em entrevista à Folha de SP, Nogueira-Neto se queixa da falta de funcionários na Fundação Florestal, que preside, e na Cetesb, o que atrapalha a vigilância de parques.

Folha - A ministra Marina Silva anunciou neste mês uma estimativa de queda na taxa de desmatamento da Amazônia para o biênio 2005-2006 de 11% em relação ao biênio anterior. É suficiente?

Paulo Nogueira-Neto - É uma coisa muito positiva, mas eu acho que falta mais. É um número que a gente precisa tentar zerar. Acredito que no Estados do centro-sul a taxa de desmatamento já seja menor do que a reposição natural. Isso a gente vê claramente no interior de São Paulo. No Sul, fizeram um estudo detalhado sobre isso, e, nos últimos anos, o número de florestas nativas dobrou. E o número de florestas plantadas também dobrou. São dados da Universidade de Santa Maria.

Folha - Qual a razão para essa diferença?

Nogueira-Neto - É muito simples. A economia freqüentemente trabalha contra as florestas. E, dessa vez, trabalhou a favor. Porque não compensa financeiramente plantar em escala mediana ou grande em terrenos inclinados, onde não entra trator. Eu acompanho a região de Ribeirão Preto, que junto com a província de Buenos Aires são as duas regiões agrícolas de maior expressão na América Latina, e nas serras de São Simão e de Cerro Azul as florestas estão voltando claramente. Porque não compensa mais plantar com enxada. Mas, na Amazônia, é outra realidade.

Folha - E como zerar a taxa de desmatamento na Amazônia?

Nogueira-Neto - O que falta é uma ação tipo "comando". Organizaria um grupo com apoio forte da Polícia Ambiental e das polícias Militar e Federal e até do Exército que fosse imediatamente para os lugares onde está havendo devastação. Antes, as imagens de satélite eram poucas, e você precisava esperar 18 dias para o satélite voltar para o mesmo lugar. Agora, não, você tem isso on-line. Então, deveríamos pegar helicópteros do Exército e ir até esses lugares. Fala-se muito da colaboração do Exército com a polícia, e esse é um caso em que o Exército poderia colaborar muito bem. Os que destroem têm muita mobilidade. Precisamos ter a mesma mobilidade que eles têm. É o único jeito.

Folha - Que avaliação faz do governo Lula na área ambiental? O que faltou fazer?

Nogueira-Neto - Digo sempre brincando, mas é verdade, que quem lida com meio ambiente não sofre de monotonia. Sempre tem algum problema acontecendo. Mas eles têm solução. O Ibama, por exemplo, recebeu muita gente nova...

Folha - Vários funcionários do Ibama foram acusados de corrupção...

Nogueira-Neto - Acho isso ótimo. É sinal de que o ministério e o Ibama estão mais atentos.

Folha - Mas deve haver ainda vários funcionários corruptos que ainda não foram pegos?

Nogueira-Neto - Deve ter. Mas a minha experiência em matéria de corrupção é a seguinte: quando o chefe combate a corrupção, os funcionários seguem a linha do chefe. Se o chefe é corrupto, os funcionários tendem a ser corruptos. Acho que, nesse caso, o governo está agindo contra a corrupção na área ambiental.

Folha - Em São Paulo, o desmatamento não é o maior problema. Como acabar, por exemplo, com a ação de palmiteiros nos parques?

Nogueira-Neto - Acho que um serviço de inteligência -que é a expressão elegante para espionagem- devia descobrir para onde vão esses palmitos. Já tive uma experiência na pele com isso, é um verdadeiro faroeste. Estava na USP e orientava uma tese de uma moça sobre o mico-leão-caiçara, lá na região de Cananéia. E essa moça foi ameaçada de morte pelos palmiteiros porque era considerada, falsamente, uma espiã da Polícia Ambiental. É preciso uma ação enérgica para acabar com isso.

Folha - Qual é a maior dificuldade atual para proteger e conservar o meio ambiente no Estado?

Nogueira-Neto - A Fundação Florestal precisa de um reforço de gente, e a Cetesb [Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental], também. Devido à lei Camata, no governo Covas, o número de guardas florestais e de funcionários da Cetesb foi drasticamente reduzido. Isso ainda não foi recuperado. A Cetesb tinha 3.000 funcionários, e esse número foi reduzido para 2.000, o que é insuficiente. Ela controla cerca de cem mil indústrias, como vai fazer com 2.000 pessoas só? Não dá. E existem unidades de conservação que têm apenas uma pessoa tomando conta.

Folha - Quais unidades?

Nogueira-Neto - Lá na Serra da Bocaina, por exemplo, não há quase vigilantes.

Folha - Nas áreas particulares, o que pode ser feito?

Nogueira-Neto - Apresentei um plano, que no momento está sendo discutido na assessoria jurídica do Palácio [dos Bandeirantes], para salvar os fragmentos florestais do Estado. São 450 fragmentos florestais de mais de cem hectares, e o Instituto Florestal estudou e mapeou todos esses fragmentos. Escolhemos 109 que precisam de uma ajuda do Estado para que o dono possa criar uma ecopousada no local. Não tem nada melhor, pois o dono vai querer proteger a floresta, que é o atrativo para os turistas.

Folha - Esses fragmentos estão espalhados?

Nogueira-Neto - Estão principalmente entre a serra do Japi, perto de Jundiaí, e o rio Paraná.

Folha - O Estado ajudaria com dinheiro ou abatimento de impostos?

Nogueira-Neto - Em primeiro lugar, daria permissão para abrir trilhas e aquelas coisas malucas do arvorismo. Em segundo lugar, acho que pode contribuir financeiramente.

Folha - O senhor dizia que, nos anos 60 e 70, todas as pessoas que militavam na área ambiental cabiam numa Kombi. Isso mudou?

Nogueira-Neto - Cabiam na verdade em diversas Kombis, uma em São Paulo, outra no Rio, em Belo Horizonte, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco. Hoje não é mais uma Kombi, em cada um desses lugares há um trem quilométrico.

Folha - Os ambientalistas continuam tachados de "ecochatos"...

Nogueira-Neto - "Ecochato" é uma palavra que assumimos com muita satisfação, porque é uma das poucas armas que temos em nosso favor. Significa aquele sujeito que é insistente, volta e insiste de novo. Não desanima. Essa impressão ficou e vai existir para sempre.

Folha - O senhor está otimista?

Nogueira-Neto - Sou razoavelmente otimista em relação ao futuro. Porque muito otimismo é ingenuidade. Quase nada é fácil, a gente tem de lutar muito pelas coisas. Mas sou razoavelmente otimista, porque vejo coisas boas acontecerem.


Data: 11/09/2006