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Educação para a vida, artigo de Leila Oda

"Diante de tamanho despreparo dos educadores, como fica o projeto recente do governo que prevê tornar o país competitivo em biotecnologia?"

Leila Oda - Pesquisadora-titular da Fiocruz e presidente da ANBio



Como um país como o Brasil - com dimensões continentais e raras ilhas de excelência em tecnologia -, que apresenta uma majoritária exclusão digital e um grande isolamento tecnológico em sua rede de ensino médio, pode planejar a atualização de seus educadores?

Um exemplo claro das mudanças de paradigmas tecnológicos é vivenciado pela biotecnologia moderna, que a cada segundo coloca novos desafios para a compreensão dos educadores e para a sociedade em geral.

Os professores, além de terem de usar seu tempo de lazer corrigindo centenas de provas, empregam-no procurando atualização científica, pois o papel de educador exige esse dinamismo.

O que vemos hoje no cabedal de informação veiculadas pela mídia sobre clonagem, células-tronco, biossegurança, transgênicos, nanotecnologia, proteômica, por vezes, são informações que podem ajudar o educador a formar uma opinião sólida e fundamentada cientificamente, mas também podem conduzi-lo a dúvidas e conflitos, dado o grande número de matérias antagônicas sobre o mesmo tema.

Mesmo em amostragens consideradas privilegiadas, como um grupo de professores de Biologia, verificam-se respostas sem cunho científico para perguntas como: "Um tomate transgênico contendo gene de peixe terá odor de peixe"?

A resposta da maioria é "sim". Por mais absurdo que pareça, este foi o resultado verificado numa pesquisa recente realizada pela Associação Nacional de Biossegurança (ANBio) em sua homepage (http://www.anbio.org.br).

Diante de tamanho despreparo dos educadores, como fica o projeto recente do governo que prevê tornar o País competitivo em biotecnologia?

Por um lado, o Brasil aposta na biotecnologia como instrumento indispensável para o crescimento econômico e para dar respostas a problemas de saúde, meio ambiente e agricultura, mas, por outro, não cria condições que viabilizem que os investimentos praticados dêem o devido retorno à sociedade brasileira por meio de seus produtos.

O analfabetismo científico põe por terra todo o investimento feito no setor de pesquisas devido às resistências e incompreensões sobre as vantagens desta tecnologia.

As campanhas contrárias que promovem uma moratória branca no Brasil, desde 1999, alegaram sempre o risco de se usar a biotecnologia moderna, mas esqueceram de perguntar qual é o risco de não se usar a tecnologia.

Com isso a Embrapa deixou de pôr o seu mamão resistente a vírus, com menos características alergênicas, na mesa da população. A cana-de-açúcar resistente a herbicida e que requer menos defensivos - e, por conseguinte, polui menos o meio ambiente - também não pôde sair do laboratório.

Importamos tecidos feitos com algodão transgênico da Índia e mandamos queimar nossas safras, diante da inércia e do contraditório do governo no tratamento de um tema de tamanha complexidade.

Tantos outros projetos foram abortados devido às campanhas terroristas de desinformação que se propagaram sabe-se lá com financiamento de que agentes.

A China, que vislumbra grandes vantagens econômicas e sociais com a introdução dos novos produtos biotecnológicos, já reconhece que um dos grandes gargalos para esses avanços é o analfabetismo científico da população. Para isso vem de lançar projeto que prevê investimentos na socialização do conhecimento científico no valor de US$ 6 milhões.

A saída para a constante atualização de professores e da sociedade em geral é a criação de instrumentos que permitam a popularização da biotecnologia e que eles tenham o endosso do governo via Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia.

As Olimpíadas de Biologia, realizadas há dois anos no Brasil, têm buscado promover a atualização dos professores nas temáticas mais complexas das Ciências da Vida.

Entretanto, devem existir também instrumentos facilitadores sistêmicos que permitam o fácil acesso dos professores às novidades diárias sobre esses avanços.

Uma revista de popularização elaborada por cientistas, mas traduzida em linguagem simples, de fácil compreensão por qualquer pessoa, permitiria a desmistificação dos novos avanços da biotecnologia moderna.

O Brasil, embora tenha sido pioneiro no tema da popularização da biotecnologia através da revista Biopop, reproduzida em diversos países, viu recentemente este projeto abortado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, sem justificativa plausível.

Por outro lado, o Peru acaba de lançar sua Lei de Biotecnologia, que considera prioridade a educação da população sobre o tema e a importância da divulgação das vantagens da biotecnologia para que a sociedade tenha acesso aos avanços científicos e o país possa tornar-se competitivo nesse setor.

Enquanto isso, no Brasil, quem divulga os avanços no campo da biotecnologia é em geral considerado, de forma equivocada, um aliado de multinacionais.

O paradigma da contradição de que avanços biotecnológicos são prejudiciais ao meio ambiente tem servido para difundir uma cultura de que quem está do lado da biotecnologia está contra o meio ambiente e é considerado politicamente incorreto.

Na prática, uma política que vislumbre a competitividade do País em biotecnologia deve forçosamente prever a divulgação científica como prioridade de governo, sob pena de ver ruir todo um megaprojeto construído a longo prazo.

Deveria estar claro para o governo brasileiro que o grande gargalo para o desenvolvimento da biotecnologia no Brasil não está apenas nos investimentos ou na competência tecnológica de suas instituições, mas, sobretudo, no analfabetismo científico, que não permite a plena adoção dos benefícios desta tecnologia pela sociedade brasileira.

A pergunta que fica sem resposta é: como investir em biotecnologia sem a certeza de que a sociedade compreenderá este avanço?


Data: 11/09/2006