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Admirável nova biologia, artigo de Marcelo Leite

A capacidade de sintetizar cadeias de DNA cresce num ritmo estonteante


Marcelo Leite - Jornalista de ciência, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp


As escolhas do eleitor brasileiro determinarão sua vida pelos próximos quatro anos, mas ninguém está prestando atenção.

O que dizer, então, de algo que poderá afetar a própria vida, digamos, pelos próximos 4.000 anos? Ou 4 milhões? A própria vida, note bem. Não a minha ou a sua mas a vida tal como a conhecemos.

O "bíos" de biodiversidade, biotecnologia, biopolítica, biodiesel, macrobiótica, antibiótico... Vida, com V maiúsculo. É o que promete mudar para sempre a biologia sintética.

O tema já foi abordado aqui meses atrás, a propósito de uma bactéria minimalista da qual haviam extirpado genes. Até piada se fez com uma biologia que retira e ainda se chama de "sintética".

Agora é para valer, segundo reportagem da revista "The Economist" com o título "Vida 2.0". O artigo chama a atenção para uma versão biológica da famosa Lei de Moore (de Gordon Moore, fundador da Intel).

Trata-se daquela célebre relação, proposta em 1965, segundo a qual a quantidade de transistores num chip dobra de 18 em 18 meses. Segundo a recém-batizada Curva de Carlson (de Rob Carlson, da Universidade de Washington), a capacidade de sintetizar cadeias de DNA com seqüência predeterminada também cresce num ritmo estonteante.

Até o fim da década, daria para montar num único dia o genoma humano inteiro (mais de 3 bilhões de bases nitrogenadas, as letras do alfabeto genético). Para quem acha pouco, são tantas letras quanto as necessárias para escrever 1 milhão de vezes esta coluna.

Seria somente um feito tecnológico, se já não existissem planos para usar essa capacidade de maneiras inovadoras, para dizer o menos. Nas palavras da "Economist", o que hoje se conhece por engenharia genética não passa de algo tão sofisticado quanto os trabalhos de uma olaria, diante das possibilidades abertas.

Uma idéia, aventada por Drew Endy, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), é se livrar da ganga evolutiva aderida ao DNA, como a grande porção do genoma humano que não abriga genes.

A seleção natural só elimina do patrimônio genético o que é prejudicial à reprodução do indivíduo; se não incomoda, como tralha no porão, vai se acumulando.

Endy quer usar a crescente capacidade sintética para construir "biotijolos" (BioBricks): módulos de DNA contendo vários genes e elementos reguladores que, uma vez inseridos num genoma, dotariam o organismo de vias metabólicas completas.

Jay Keasling, da Universidade da Califórnia em Berkeley, já sonha com micróbios produzindo precursores da droga antimalárica artemisina, hoje obtida apenas de uma planta, a artemísia.

E que tal uma levedura capaz de digerir celulose e transformar toda a cana colhida em álcool, sem deixar bagaço? Qualquer presidente no mundo pós-Kyoto arderia de paixão por um pós-biocombustível desses.

Na semana passada esta coluna alertou para o risco de devastação da floresta amazônica se o fogo apaixonado de Lula e dos empresários pelos biocombustíveis sair de controle.

Dois dias depois, o governo federal anunciou que a área desmatada deve cair novamente, 11%, neste ano (em 2005 a queda havia sido de 31%). É uma excelente notícia.

Ainda assim, terão perecido 16.700 km2 de mata virgem, com 1 bilhão de árvores destruídas, segundo estimativa de Niro Higuchi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

Em um único ano, com a soja em crise e o biodiesel de Lula engatinhando. Nada a comemorar.


Data: 11/09/2006