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Independência é educação para todos, artigo de Vincent Defourny

"O país tem bons exemplos que podem ser usados para basear a construção de políticas públicas educacionais consistentes, especialmente no que diz respeito ao ensino fundamental e médio"


Vincent Defourny - Doutor em Comunicação pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, é representante interino da Unesco no Brasil



Quando, em 1990, foi aprovada em Jomtien, na Tailândia, a Declaração Mundial de Educação para Todos, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e outros organismos internacionais tinham plena consciência de que o processo de globalização estava adquirindo um novo e vigoroso impulso em ritmo sem precedentes na história das civilizações. Ancorado nos avanços da ciência e das tecnologias da comunicação e da informação, esse processo haveria de colocar a educação e o conhecimento como requisitos centrais para o desenvolvimento.

Após Jomtien, seguiu-se amplo movimento mundial com vista à elaboração de planos decenais de educação.

A idéia de planos de longo prazo se amparava no pressuposto de que não seria possível aos países menos desenvolvidos alcançar, em poucos anos, os padrões mínimos de educação requeridos pelos inéditos cenários sociais e econômicos que começavam a se desenhar e adquirir contornos reestruturantes e de escala universal.

O Brasil se fez presente nesse movimento elaborando o seu Plano Decenal de Educação e, posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Plano Nacional de Educação, aprovados pelo Congresso Nacional.

Esses instrumentos de política pública, inspirados no ideal de Jomtien, ajudaram o país a dar um expressivo salto no acesso à educação básica, colocando no ensino fundamental e médio alguns milhões de crianças e jovens e organizando pari passu um reconhecido sistema de avaliação.

Como a intensidade e a profundidade das mudanças em curso exigiam um novo paradigma para a educação, a Unesco, seguindo sua história de conjugar o plano das idéias ao das ações, constituiu a segunda comissão mundial de educação para pensar uma pedagogia para o século 21.

Tornava-se necessário entender a educação como um caminho insubstituível para reduzir a pobreza, universalizar a cidadania e ajudar os países a superar atrasos históricos.

Era preciso entender a educação como um tesouro a ser descoberto por todos, convertendo-a, para usar a expressão do diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, no maior bem comum da humanidade.

Tal objetivo só poderia ser atingido pela união de todos.

A nova política de educação preconizada passou a exigir um forte compromisso, não somente do poder público, como ainda o envolvimento de toda a sociedade, não com o objetivo de substituir o Estado, mas a ele somar-se de forma a tornar viável uma concepção estadista e suprapartidária da educação.

Por isso a Organização passou a defender em escala mundial uma política de alianças e parcerias, norteada pela ética e pela dimensão axiológica que está implícita no ato de educar.

Essa posição foi consolidada pelo Fórum Mundial de Dacar, realizado no ano 2000, que reavaliou o compromisso de educação para todos dos anos 90 e reconheceu os avanços significativos de muitos países.

O fórum alertou, porém, que ainda persiste um expressivo contingente de pessoas fora da escola, hoje representado por mais de 800 milhões de adultos analfabetos e 100 milhões de crianças que nunca tiveram nenhum acesso ao ensino primário.

Em face desse cenário, os países presentes em Dacar acordaram novas metas para serem atingidas até 2015, comprometendo-se para tanto a mobilizar forte vontade política nacional e internacional em prol da educação para todos.

Em seguimento a essa decisão, foram redobrados os esforços junto aos principais fóruns e colegiados do poder mundial para ampliar a ajuda aos países necessitados.

O Brasil conseguiu nos últimos anos dar passos importantes rumo à universalização da educação básica, adotando uma reconhecida política de inclusão e abrindo a porta de suas escolas a segmentos historicamente discriminados, como os afrodescendentes e os indígenas.

O desafio agora é o da qualidade.

Certamente o de mais difícil superação. Mas o país tem bons exemplos que podem ser usados para basear a construção de políticas públicas educacionais consistentes, especialmente no que diz respeito ao ensino fundamental e médio.

É nesse quadro que deve ser vista a importância do movimento nacional de um grupo de lúcidos empresárias e empresários brasileiros, entre eles uma embaixadora da Boa Vontade da Unesco, Milú Villela, que há algum tempo, refletindo sobre os baixos resultados da educação brasileira e preocupados com futuro do país, tomou a decisão de mobilizar pessoas e instituições em prol de um amplo Compromisso de Todos pela Educação.

Esse movimento, bem como o que é liderado pela Associação de Empresários Amigos da Unesco, presidido pelo publicitário Nizan Guanaes, conta com o apoio integral da Organização, que este ano comemora 60 anos de luta em defesa de uma educação de qualidade para todos.

O Compromisso de Todos pela Educação foi lançado ontem, véspera do dia em que se comemora a Independência do Brasil, para defender metas capazes de colocar o país em 2022, ano do bicentenário da Independência, numa posição compatível com as demandas e os requisitos de uma sociedade cidadã.

O Brasil tem condições de alcançar esse objetivo. Sobretudo pela construção de consensos públicos que se convertam em decisões políticas fortes, ousadas e, principalmente, viáveis. Nesse sentido, registre-se o fato promissor de que a maioria dos candidatos à Presidência da República está afirmando que a educação deve ser tratada como a mais importante das prioridades do país.

Lançar o Compromisso no Museu do Ipiranga simbolizou a conexão entre independência, soberania e educação de qualidade para todos. Conferir à educação status de política pública suprapartidária é ter uma visão estadista sobre o tema.

E esta precisa ser a grande bandeira da Independência brasileira. Não há outro caminho para o exercício pleno da democracia e do desenvolvimento de cenários sociais inclusivos e não-discriminatórios.


Data: 11/09/2006