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Demagogia no ensino superior, editorial do "O Estado de SP"

A improvisação é tanta que a UFABC vem funcionando provisoriamente num prédio alugado

Editorial publicado em O Estado de SP


Nos discursos que vem pronunciando em sua campanha pela reeleição, o candidato Lula se apresenta como o presidente da República 'que fez mais que todos pela educação'.

Mas, entre a autolouvação presidencial e as iniciativas concretas de seu governo, a distância é abissal, como se vê pela Universidade Federal do ABC (UFABC), que foi criada em 2005 e, apesar de ainda não ter sequer campus próprio, realizou seu primeiro vestibular há um mês.

Em vez de obedecer a um criterioso processo de planejamento, a instalação da UFABC foi feita às pressas, com a atenção exclusivamente voltada para as eleições de outubro.

Embora seu primeiro prédio deva ser concluído apenas em setembro de 2007, a nova universidade marcou o início oficial de suas atividades acadêmicas para o último dia 11 de setembro, em plena campanha eleitoral.

A improvisação é tanta que a UFABC vem funcionando provisoriamente num prédio alugado.

E, como o restante do campus só ficará pronto dentro de três anos, para abrigar todos os mil alunos aprovados no vestibular de julho, a UFABC terá de alugar outro prédio, enquanto as instalações definitivas não estiverem concluídas.

Por isso, só uma parte dos estudantes começou a ter aulas este mês. A outra parte terá de esperar alguns meses.

No primeiro dia de aula, as lousas ainda estavam sendo pregadas e os 2 mil livros comprados para a biblioteca - um número obviamente insuficiente - ainda permaneciam encaixotados.

Embora a instituição tenha previsto 1 computador para cada aluno, até o momento ela conta só com 100.

Até recentemente, a maioria estava em sacos plásticos, aguardando a instalação. Mas o que melhor ilustra o açodamento na criação da UFABC é o logotipo improvisado da universidade.

Segundo a direção da UFABC, o projeto pedagógico é inovador, tendo sido inspirado no chamado 'Processo de Bologna'.

Trata-se de uma declaração conjunta assinada em junho de 1999 pelos ministros da Educação da União Européia (UE), com o objetivo de harmonizar as estruturas e os programas das instituições de ensino superior dos 25 países membros.

Como resultou de um projeto destinado a assegurar mobilidade e empregabilidade dos bacharéis recém-formados em universidades européias, muitos dirigentes de universidades federais criticam sua transposição para o Brasil.

'O Processo de Bologna é um movimento de integração dos países europeus que responde às necessidades deles', afirma Ana Lúcia Gazzola, ex-reitora da UFMG e diretora do Instituto de Educação Superior para América Latina e Caribe.

Pelo projeto pedagógico da UFABC, os alunos ingressam num único curso, o de bacharelado em Ciências e Tecnologia, nele permanecendo durante três anos.

Nos dois anos seguintes, eles podem escolher entre áreas de engenharia, licenciatura e outras para se especializar. Com isso, parte da graduação poderá ser montada pelos próprios estudantes, com base em disciplinas optativas, como hoje ocorre na UE.

'O aluno ingressa na universidade e não num curso', diz a pró-reitora de graduação da UFABC, Adelaide Faljoni-Altério, enfatizando uma experiência acadêmica que é vista com reservas por muitos pedagogos.

A UFABC, como se vê, é uma universidade ainda virtual, cuja criação com propósitos eleiçoeiros dá a medida de como o governo Lula trata a educação.

Embora a maioria das universidades federais em funcionamento careça de recursos para conservação de laboratórios e bibliotecas e pagamento de contas de água, luz e telefone, por terem de sustentar uma pesada folha de pagamento, o governo decidiu abrir novas universidades, muitas localizadas em tradicionais redutos eleitorais do PT, como é o caso da UFABC.

Por ironia, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de publicar um relatório mostrando que os maiores problemas da educação no Brasil continuam sendo falta de prioridade e o modo perdulário como são aplicados os recursos do setor.

Em vez de concentrar a atenção no ensino básico, pois quem não sabe ler, escrever e fazer conta não tem como evoluir no sistema de ensino, o governo perde tempo e dinheiro com o ensino superior, diz o relatório.

Mas isso é assunto para outro editorial.


Data: 14/09/2006