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Neandertais e homens conviveram por 4 mil anos

Estudo amplia período em que as duas espécies coexistiram na Europa e lança novas perguntas sobre impacto da convivência em cada uma delas

Os neandertais parecem ter resistido à chegada dos humanos modernos à Europa por um tempo bem maior do que se imaginava.

Até recentemente se acreditava que eles haviam sucumbido há 30 mil anos, mas novos achados arqueológicos sugerem que ao menos um pequeno grupo no sul da Península Ibérica resistiu à extinção e coexistiu com o Homo sapiens por mais alguns milênios.

Um grupo de pesquisadores encontrou na caverna de Gorham, em Gibraltar, ao sul da Espanha, vestígios de ferramentas típicas dos neandertais que indicam que eles sobreviveram até 28 mil anos atrás, talvez tendo chegado a até 24 mil anos.

O relato da descoberta foi publicado ontem no site da revista científica britânica Nature.

O H. sapiens chegou à Europa ocidental há cerca de 32 mil anos. O novo trabalho estende para pelo menos 4 mil anos o período de convivência entre as duas espécies na mesma área geográfica.

'Pode parecer pouco, mas se transpusermos esse período para as gerações de hoje, veremos que 4 mil anos é o dobro do que temos no calendário cristão', afirma o coordenador da pesquisa, Clive Finlayson, do Museu de Gibraltar.

Os cientistas analisaram 240 ferramentas encontradas na caverna que se encaixam no padrão conhecido pelos paleontólogos como musteriano - artefatos feitos com rochas de sílex e quartzo -, uma característica própria dos neandertais (elas levam esse nome por terem sido localizadas pela primeira vez no sítio de Le Moustier, na França).

A partir da datação desse material, foi possível situar a espécie habitando a caverna entre 28 mil e 24 mil anos atrás.

O carvão encontrado no sítio permitiu ao grupo chegar a essa data e reconstituir o ambiente em que viveram os últimos neandertais.

Eles tinham a seu alcance diversas plantas e animais, além de planícies, florestas úmidas e o litoral, uma riqueza ambiental que provavelmente contribuiu para que persistissem por mais tempo.

Dúvidas

'Encontramos restos não apenas de mamíferos, mas de pássaros e moluscos, o que indica que a dieta deles não era estritamente de carne vermelha', afirmou Finlayson.

'Apesar da glaciação que atingiu a Europa, esse era um lugar com clima ainda suficientemente brando para que pudessem sobreviver'.

A descoberta em Gibraltar reacende algumas dúvidas. Homo sapiens e Homo neanderthalensis chegaram a conviver lado a lado? E se o fizeram, ocorreu cruzamento entre as espécies?

Pelo menos na caverna investigada em Gibraltar, os dois grupos não devem ter convivido, uma vez que as ferramentas encontradas nas camadas do solo relativas àquela data são exclusivamente musterianas.

Segundo Finlayson, mais de 5 mil anos separam os artefatos neandertais encontrados dos últimos vestígios dos seres humanos modernos.

O pesquisador acredita, no entanto, que nos arredores da caverna viviam pequenos grupos das duas espécies, em uma grande extensão de terra. Os neandertais provavelmente só usavam o local protegido para cozinhar, comer e dormir.

Eric Delson, do Departamento de Antropologia do Lehman College, em Nova York, e Katerina Harvati, do Instituto Max-Planck de Antropologia Evolucionária, que comentam o estudo na Nature, ponderam que, se as evidências sobre a sobrevivência dos neandertais até 24 mil atrás forem comprovadas, elas poderão jogar nova luz sobre outras descobertas referentes àquela espécie.

Em especial, eles se referem ao garoto do Lagar Velho - esqueleto de um menino de 4 anos encontrado em 1999 e que teria sido enterrado 24,5 mil anos atrás.

Apesar de ser um exemplar de H. sapiens, tinha características de neandertal, o que levantou a hipótese, bastante contestada, de tratar-se de um híbrido.

O antropólogo Erik Trinkaus, da Universidade de Washington, um dos descobridores do esqueleto, desdenhou os novos achados, considerando que pouco vão acrescentar.

Mas, se as datas de Finlayson estiverem certas, afirma a dupla, as dúvidas em relação às teorias de Trinkaus tenderiam a diminuir.


Data: 14/09/2006