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As distorções da educação, editorial do O Estado de SP

Em matéria de recursos para o ensino fundamental, o Brasil ocupa o penúltimo lugar no relatório da OCDE, ganhando somente da Turquia


Editorial publicado em O Estado de SP


O Brasil não aparece bem no mais novo relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre educação.

Divulgado esta semana, o trabalho é um importante estudo comparativo do desempenho do sistema educacional dos 30 países pertencentes à instituição.

O trabalho revela que a maioria deles, partindo da premissa de que o capital humano é fator-chave para assegurar o crescimento econômico e oferecer 'condições de inclusão social' aos segmentos mais desfavorecidos da população, há muito tempo vem dando prioridade à educação básica.

Em vez de fazer o mesmo, pois quem não sabe ler, escrever ou fazer contas aritméticas não tem como evoluir no sistema de ensino e ingressar no mercado de trabalho, no Brasil as autoridades educacionais continuam dando prioridade à expansão do ensino superior, relegando para segundo plano o desafio da melhoria de qualidade da rede pública do ensino básico.

Segundo o relatório da OCDE, o País gasta apenas 18% do Produto Interno Bruto (PIB) per capita com os alunos das oito séries do ensino básico e 127% nos estudantes universitários.

Em termos financeiros, esses porcentuais equivalem a um investimento de R$ 1,9 mil anuais em cada aluno do ensino fundamental e cerca de R$ 13 mil por ano para cada estudante do ensino superior.

O estudo mostra que a média de investimento em universitários entre os países da OCDE é de apenas 50% do PIB per capita, duas vezes e meia a menos do que no Brasil.

Países desenvolvidos, como é o caso da Noruega e da França, e em desenvolvimento, como a Coréia do Sul, chegam a ter índices ainda mais baixos, inferiores a 40%.

O que torna ainda mais injusta essa diferença de investimentos entre os três ciclos educacionais é o fato de que as faculdades e universidades brasileiras têm cerca de 4 milhões de estudantes, enquanto o ensino básico atende mais de 42 milhões de alunos, o equivalente a um quarto da população.

Em matéria de recursos para o ensino fundamental, o Brasil ocupa o penúltimo lugar no relatório da OCDE, ganhando somente da Turquia.

O resultado prático dessa grave distorção é um círculo vicioso que começa num ensino fundamental de baixa qualidade, ganha desenvoltura num ensino médio fraco e se consolida num ensino superior que só reproduz as desigualdades sociais do País.

Isto porque, enquanto as universidades públicas, que são gratuitas e de bom nível, atendem jovens oriundos de famílias ricas, as universidades particulares, que são caras e, em sua maioria, ruins, acolhem os jovens oriundos de famílias pobres.

'O problema de nosso ensino superior é que ele recebe alunos mal preparados do ensino fundamental', afirma o conceituado educador Cláudio Moura Castro. 'O governo dá todo ano um Fiat o.k.

para o aluno rico e uma bicicleta para o pobre', diz ele, criticando a tendência do País de negligenciar o ensino fundamental e apontando os efeitos perversos das prioridades erradas no setor educacional.

'Na rede pública, não há mecanismo de cobrança nem de recompensa baseado na qualidade da escola', lembra Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE e pesquisador do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade.

'O Brasil investe bastante em ensino, mas o problema é que desperdiça muitos recursos', conclui Jorge Werthein, da Organização dos Estados Ibero-americanos para Educação, Ciência e Cultura.

O levantamento da OCDE é mais uma confirmação do que os pedagogos sempre disseram com relação ao problema da educação no Brasil.

Segundo eles, se o País até hoje não conseguiu promover a revolução educacional, seguindo o exemplo do que foi feito pelos 'tigres asiáticos' na segunda metade do século 20 e hoje vem sendo realizado pela Índia, não foi por insuficiência de verbas para o setor.

Foi, isto sim, pela maneira equivocada como elas vêm sendo aplicadas. Em 2002, período analisado pelo relatório, o Brasil investiu 4,4% do PIB em ensino.

A média dos países da OCDE é de 5,5%, dos quais 4% em educação básica e 1,5% em ensino superior.

Para os candidatos a cargos no Executivo e no Legislativo nas eleições de outubro, que se limitam a prometer mais verbas para educação, o relatório da OCDE deveria ser leitura obrigatória.


Data: 15/09/2006