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DNA Brasil: participantes diagnosticam crise e apontam culpas das elites brasileiras

O diagnóstico foi da menina Janaina Santos Oliveira, no alto de seus cerca de 18 anos - negra, pobre e rapper: o país está em crise. E a elite vai entrar em crise se se dispuser a viver pelo menos um mês, com sua família, apenas com um salário mínimo

"Se cada um de vocês fizesse isso, saberia o que é o Brasil", afirmou Janaina, aos integrantes do DNA Brasil, numa das plenárias do encontro. E sentenciou: "a crise é revolucionária".

Entre os demais 49 integrantes do DNA, quem deu ouvidos à menina foi o coronel da reserva Geraldo Cavagnari, especialista em estratégia e pesquisador da Unicamp. Discutia-se um consenso possível entre os participantes de uma agenda para o país. Cavagnari ponderou que todo consenso é relativo.

"A sociedade se move por dissensos", afirmou. Mas a crise revolucionária está longe, observou. A crise vem, mas não será resolvida de forma violenta - historicamente, o país evita o confronto e acumula problemas.

Onde foi que as elites, mais do que representadas na reunião do Instituto DNA Brasil, erraram?

"Erraram porque fizeram uma constante política de exclusão social", afirmou a lavradora, radialista e sindicalista Maria Helena Firmo, a Leninha de Valente, na Bahia, a "voz forte do sertão" da rádio Sisal.

Para Leninha, a exclusão de vasta parcela da população ao mundo do conhecimento foi particulamente dramática.

"O povo, tão desprovido do acesso ao conhecimento, não chegou a nenhuma politização", completou Lúcia Castencio, educadora comunitária.

A falta de conhecimento compromete o voto, na medida em que ele pode ser manipulado, e os partidos são "focos de interesses" que não são os do povo que vota.

Para o líder do Movimento dos Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, as elites econômicas erraram particularmente quando se uniram em torno do candidato Fernando Collor de Mello, em 1989, e fizeram uma inserção internacional do país de acordo com a ideologia neoliberal.

"Hoje a crise brasileira é de projeto. Não sabe para onde ir. Isso é fruto da subordinação ao capital financeiro internacional".

A crise de projeto, para o líder dos sem-terra, atinge a sociedade como um todo. Também foi uma preocupação expressa, no encontro, pelo banqueiro Fernão Bracher, lembrou.

A hegemonia neoliberal também resultou numa crise ideológica dos partidos, parte importante da crise brasileira como um todo, disse Stédile. Os setores da sociedade brasileira não estão representados pelos partidos políticos que existem.

Para o historiador Boris Fausto, as elites intelectuais podem ter uma parcela da responsabilidade na crise atual, menos por erro material, mais por falta de aproximação com a sociedade.

Seria preciso que a intelectualidade encontrasse uma linguagem para se fazer entender, "primeiro com as classes médias", depois com parcelas maiores da população, para levantar alternativas e propor limites.

"Precisamos sair dessa coisa de elite safada, governo safado", afirmou. Ainda assim, disse, o papel da elite intelectual é limitado.

"Tem papel apenas como veiculador. Pode influenciar quem tem o poder, mas seu próprio poder é baixo, é apenas o das idéias".

O historiador detecta uma crise de liderança, que contraditoriamente decorre da "democratização" do Congresso.

"Se de um lado é bom, do outro - e isso pode parecer elitista - a velha elite sobrevive e existem regras que não podem ser transpostas. Existe um jogo de interesses no Brasil e ninguém quer abrir mão de seus interesses corporativos".

Para o arquiteto Joaquim Guedes, o Brasil mudou, mas essa mudança não foi acompanhada pelas instituições.

O sistema jurídico ficou envelhecido, conflita com conquistas sociais - como a luta pela terra e por moradia - que deixaram de se constituir de fato numa ação criminal e se configuram como reivindicação a um direito.

"Mudou a sociedade e não mudaram as leis, e o sistema jurídico tem que traduzir a mudança social", afirmou Guedes.


Data: 18/09/2006