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Inovação não é tecnologia nem ciência. É mercado, artigo de Silvio Meira

Esperam-se grandes dificuldades para o Brasil nos próximos 50 anos. Mas temos uma chance: a globalização da novidade


Silvio Meira - Engenheiro, cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), professor da UFPE, membro do conselho de administração do Porto Digital e conselheiro da Finep



A ciência busca a verdade. A arte, que é o domínio da estética, busca a beleza. E a tecnologia descobre as possibilidades. Ou seja, se é possível fazer, eu vou lá e faço. Depois a ciência tenta me explicar porque aquilo funciona.

O exemplo mais radical e mais simples disso é a aspirina. O princípio ativo dela está mencionado em Hipócrates há milhares de anos - e ela deu um Prêmio Nobel de Medicina em 1985, quando a ciência enfim explicou o que a Bayer fazia desde o fim do século 19.

Em 1985 descobriu-se que acetilsalisílico cancela alguns receptores de dor no cérebro e por isso pára a dor de cabeça. Se a gente tivesse esperado pela verdade científica sobre o fato, a humanidade teria tido muitos anos de dor de cabeça a mais.

Queremos entender o espaço, nossos corpos e a nossa inteligência. E usamos para isso a arte, a tecnologia e a ciência. O fim da primeira era moderna da tecnologia, depois da Segunda Guerra Mundial, dá espaço ao surgimento da era da informação.

Os processos deixam de ser baseados em energia e passam a se basear em informação. Essa busca da verdade das tecnologias e da beleza no espaço, na vida e na inteligência é, desde então, mediada também pela informática - que é para mim a junção de três coisas velhas, apesar de não parecer.

Uma é a computação propriamente dita, a nossa capacidade de escrever programas e fazer cálculos automáticos em cima disso. Suas teorias fundamentais são da década de 30. Depois, as teorias da comunicação, que datam do fim da década de 40.

Por fim, as teorias de controle - o que podemos controlar a partir da computação e da comunicação. O freio ABS de um carro é computação e comunicação servindo de controle para as rodas não derraparem.

Assim, informática passa a ser essencial em todas as áreas da ciência e da tecnologia.

O fim da era da energia sinaliza o nascimento de um novo modo de produção de conhecimento, em oposição ao que seria o modo cientificamente estabelecido - aquele produzido nas universidades, dentro de disciplinas em formatos monolíticos.

Agora não interessa qual é a ciência que você sabe ou não sabe, mas sim qual é o problema que você resolve. Isso nos leva diretamente ao conceito da inovação. Inovação não é ciência e tecnologia, não são idéias nem patentes. Inovação é o mercado.

O seu crivo verdadeiro não diz respeito a quem sabe mais, se esta ou aquela empresa, esta ou aquela universidade ou país - mas sim à capacidade de mudar o modelo mental, o comportamento de produtores e consumidores de tecnologia.

O que deu certo no iPod foi um modelo completo de mudança de comportamento do usuário.

O Brasil é muito ruim de inovação a partir de princípios básicos. Inovação a partir de princípios básicos é o que a gente poderia chamar de inovação no modo push, ou "empurra" - sai dos laboratórios básicos, de ciência, para produtos, protótipos, processos que são empurrados para dentro da sociedade.

Isso é feito nos lugares competentes por uma cadeia que inclui o capital de risco, o que no Brasil é um bem que quase inexiste. No País, inovação funciona no modo pull, ou modo "pegue": pegam-se problemas no mercado e, com alguns poucos componentes dessa tríade ciência-tecnologia-arte, modificam-se um pouco coisas que já existem.

Inovação é a única maneira das empresas sobreviverem, a única forma real de aumento de produtividade. Mas ela exige, em qualquer espaço de negócio, a troca de regras.

Como o professor Brito Cruz bem mencionou, no Brasil temos quase a totalidade da nossa capacidade de construção de diferenciais científicos e tecnológicos nas universidades, que têm uma dificuldade imensa de trocar regras de negócio com o mercado. Em qualquer lugar do mundo, quem inova são as empresas.

No Brasil, temos uma dificuldade adicional: todos os grandes inovadores mundiais estão aqui e em todas as áreas - automóveis, aviões, eletrodomésticos, equipamentos médicos, alimentos.

Não vejo uma quantidade significativa de empresas que precisem do Brasil como base de inovação. Vamos ter dificuldades muito grandes nos próximos 15 a 50 anos.

Paradoxalmente, há uma possibilidade que começa a se estabelecer e tem tomado ares de coisa relevante nos últimos três anos: a globalização da inovação por parte de grandes conglomerados multinacionais.

Em 2006, estima-se em mais de US$ 15 bilhões o investimento em inovação terceirizada para outros países. O que é preciso que façamos para termos alguma fatia desse mercado mundial?

Na minha opinião, três coisas. Primeiro, formar mais gente e formá-la melhor. Depois, há que se criar oportunidades.

Se elas tivessem sido criadas, talvez a gente tivesse, por exemplo, 70% dos engenheiros formados trabalhando efetivamente em engenharia - hoje, apenas um terço do pessoal está nessa situação.

Finalmente, depois de formar mais e melhor e de criar oportunidades, o Estado precisa sair da frente.


Data: 19/09/2006