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Nós ou as galinhas? Artigo de Fernando Reinach

Hoje, o H5N1 raramente infecta seres humanos, mas, quando infecta, mata mais de 50% dos pacientes

Fernando Reinach - Biólogo, professor titular do Instituto de Química da USP, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios e foi presidente da CTNBio em 1999



O famoso H5N1, vírus da gripe aviária, é letal para as aves e se espalha rapidamente nos galinheiros. Para controlar sua disseminação, os países afetados pela doença têm exterminado milhões de aves assim que detectam um foco da doença.

Isso causa enormes prejuízos para a indústria. Para estancar as perdas, os criadores pretendem vacinar as aves com produtos que ainda estão sendo desenvolvidos.

A má notícia é que um estudo epidemiológico recente demonstrou que caso o programa não seja executado com perfeição, vacinar as aves pode aumentar o risco de o vírus se espalhar e provocar uma pandemia em humanos.

Hoje
, o H5N1 raramente infecta seres humanos, mas, quando infecta, mata mais de 50% dos pacientes.

Os cientistas acreditam que o H5N1 ainda não está adaptado para passar de pessoa para pessoa, mas, se forem dadas muitas oportunidades para o vírus sofrer mutação e 'testar suas habilidades' vai acabar surgindo um vírus adaptado ao corpo humano.

A partir desse momento, a chance de o H5N1 provocar uma pandemia capaz de matar milhões aumenta significativamente.

Por esse motivo, é extremamente importante controlar a disseminação da doença nas aves.

Menos galinhas infectadas, menos chances de o vírus se deparar com seres humanos.

Parecia lógico que uma vacina que tornasse galinhas imunes ao vírus deveria ser boa notícia tanto para elas (e seus criadores) quanto para a humanidade em geral.

Como acontece freqüentemente em ciência, uma análise cuidadosa muitas vezes joga por terra nossa intuição.

Usando modelos matemáticos e dados experimentais que descrevem a maneira como a gripe se dissemina nos galinheiros, cientistas ingleses demonstraram que uma vacinação imperfeita pode causar o espalhamento silencioso do vírus.

Os modelos que descrevem a epidemiologia da gripe em galinheiros são peculiares e refletem o modo como as aves são criadas.

Cerca de 10 mil pintos recém-nascidos são colocados em um galpão onde crescem juntos por um número fixo de dias até serem transportados ao matadouro.

Como ficam muito próximos uns dos outros, é necessário obter a imunização de mais de 90% das aves para evitar uma epidemia.

Entretanto, quando um grande número fica imunizado, a doença se espalha muito lentamente no galinheiro e a probabilidade de a gripe passar despercebida se aproxima de 100%.

Caso a doença não seja detectada em tempo, as aves infectadas são transportadas para o matadouro, o que tende a espalhar a doença e a aumentar a chance de o vírus infectar humanos.

Por outro lado, caso as aves não sejam vacinadas, é praticamente impossível que a doença passe despercebida.

Esse estudo demonstra que, caso a vacinação não seja extremamente eficaz, bem organizada e conduzida com perfeição, pode até salvar a vida de muitas galinhas e o bolso de muitos avicultores.

Mas expõe a humanidade ao risco de uma pandemia de gripe aviária. Se levarmos em conta que, na grande maioria dos países subdesenvolvidos, o controle sanitário das granjas é precário, fica a dúvida: devemos ou não vacinar as galinhas?

Nós ou as galinhas? Essa é uma boa discussão para uma mesa de bar com chope e coxinhas empanadas.


Data: 20/09/2006