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Em defesa da Política como Ciência e de alguns princípios, artigo de Gilbergues Santos

“A juventude envelhece, a imaturidade é superada, a ignorância pode ser educada e a embriaguez passa, mas a estupidez dura para sempre”.  Aristófanes

 

Gilbergues Santos - Professor da UEPB e mestre em Ciência Política pela UFPE

 

 

 

Interessante esse fórum de discussões que se cria na sessão de opiniões, pois nós (os colunistas) podemos ter um retorno das idéias que apresentamos. Agradeço aos comentários e ao fato dos leitores apontarem aquilo que vêem de positivo e/ou negativo nos artigos, isso me incentiva a tentar escrever cada vez mais e melhor. Interessante, por exemplo, uma leitora afirmar que fui imparcial sem ser tendencioso, pois quem trabalha com temas polêmicos como os que aqui exploro, corre sempre muitos riscos. Óbvio, meu compromisso é com a busca do conhecimento, através de um processo produtivo que leva em consideração leituras sistemáticas e a contínua busca de dados e informações. Isso, claro, com a perspectiva de colaborar para um conseqüente processo informativo dos nossos leitores.

 

Por ser um fórum livre, as pessoas podem se expressar da forma que bem quiserem. Mas, essa liberdade embriaga alguns que como bêbados trôpegos pelas calçadas, cambaleiam nas palavras, nos conceitos, nos meandros da língua portuguesa e até em algumas metáforas usadas por este colunista. É temerário se utilizar esse valioso espaço para fins outros. Fins acusatórios e ignóbeis, fins que, enfim, nunca são esclarecidos. São sempre maquiados de uma verborragia pseudo-acadêmica que ignora tacitamente os significados dos termos e conceitos da linguagem usual da Ciência Política, que por motivos mais do que óbvios utilizo a exaustão. Aqui, não me interessa tratar das mesquinharias, avarezas e miudezas daqueles que, não se sabe bem porque, nunca vem à tona, nunca aparecem à luz do sol e ficam nas catacumbas urdindo desditas. Como professor de uma tão bem conceituada Instituição como a UEPB, tenho a dizer que é graças a um processo que vem sendo trilhado ao longo de 22 anos que hoje me dou “ao luxo”, além de me orgulhar, de atuar em duas áreas correlatas: a História e a Ciência Política e que é nesta última que tenho sim pautado minhas atividades de pesquisa e ensino.

 

A Ciência Política é uma área de conhecimento como outra qualquer que não tem nem a aura e nem a pecha que alguns tentam lhe atribuir. Também, não se propõem as pretensas “revoluções pós-estruturalizantes-individualizadas” à moda foucoultina e alhures, apenas dedica-se ao estudo dos fenômenos políticos das sociedades atuais, calcada em uma sólida base metodológica de pesquisa. Na verdade, a expressão Ciência Política pode ser usada em um sentido amplo (e não meramente técnico) para indicar qualquer estudo dos fenômenos e das estruturas institucionais políticas. Este estudo deve ser apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais. Afinal de contas, e como já afirmava Webber, a ciência nos proporciona método e alguma previsibilidade.

 

Mas, o que significa ocupar-se cientificamente da política? Expressa não se render ou acomodar-se a opiniões e crenças vulgares, demonstra, ainda, não formular juízos com base em dados imprecisos ou mesmo inverídicos. Para começar, faz-se necessário estudar o poder, essa força ancestral que induz os homens às guerras e a criação do instrumento que os domina chamado Estado (ou “O leviatã” hobbesiano). Estudar a organização da polis, significa olhar para os Estados reais e não imaginários. Não adianta pen­sar o poder, o Estado, o governo ou qualquer outra Instituição política como eles deveriam ser ou como nós gostaríamos que fossem, mas como realmente são. E aqui, então, o estudioso fatalmente encontrará a elaboração maquiaveliana, não maquiavélica note-se bem. Para Nicolau Maquiavel a Política tem uma ética própria, que pode ser direcionada para conceitos amplos, como a Razão de Estado, que escapam à moral das convicções humanas e podem até justificar conflitos e as guerras. A Ciência Política contemporânea herdou do mestre florentino essa racionalidade.

 

O estudo da política facilita o entendimento das formas de organização humana, e o melhor modo de iniciá-lo é ler (ou reler) os clássicos. Maquiavel, Hobbes, Burke, Locke, Montesquieu, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill, Rousseau, etc, ten­taram entender as complexas relações políticas e sociais. A elaboração desses filósofos contribuiu grandemente para a construção de uma ordem política da qual o Estado-Nação é ainda o melhor resultado.

 

O estudo da Ciência Política não se enquadra como sub-área de qualquer outra disciplina, pois apresenta objeto próprio como os estudos sobre o poder, as elites, o Estado e a nação, a soberania, a sociedade civil e os dilemas da participação\representação política, o executivo, o legislativo, o judiciário, os partidos políticos e as eleições, as Forças Armadas e as relações civil-militar, as políticas publicas (sociais), a constituição da autoridade democrática, entre outros. Passados cerca de oitenta anos após sua inserção formal na academia, a Ciência Política é hoje, inegavelmente, um campo de estudo acadêmico consagrado, com um universo conceitual e discurso científico próprio, além de amplo acervo de conhecimento e com uma agenda de pesquisa futura promissora. No nosso caso, preparamo-nos para trabalhar nas análises de toda a problemática a cerca da reforma política, que promete ser o centro das atenções após as próximas eleições.

 

A Ciência Política brasileira tem contribuído de uma forma original e relevante tanto no plano dos estudos teóricos como campo dos estudos baseados em evidências empíricas. Nos últimos dez anos surgiram muitos trabalhos que dão um novo tratamento sobre temas como a natureza e o funcionamento das instituições democráticas, os condicionantes políticos do sistema econômico e de sua reforma, a formação e a implementação das decisões de governo nos âmbitos interno e externo, a interação dos governos e atores sociais na produção de políticas públicas, a formação e a expressão das opiniões na sociedade, as possibilidades e limitações da ação externa de um país como o Brasil. Muitos trabalhos trazem análises relevantes sobre a política normativa: os fundamentos do poder, as condições da ordem política, as distintas concepção do justo, as tensões entre liberdade e igualdade, as relações entre ética e política, a produção do conflito e da cooperação em escala mundial.

 

Os Cientistas Políticos, sérios e éticos, não articulam (SIC) estratégias de campanha e discursos para figurinhas de postura ética e pública extremamente questionáveis, envolvidas em escândalos de corrupção”, como bem colocou uma leitora que me honrou com sua arguta percepção, essa função deixamos aos marqueteiros maquiadores de pseudo-candidatos vendidos como se fossem iogurtes, expostos em um supermercado qualquer.

 

O problema que por hora se apresenta para nós, os cientistas políticos, é em relação à quantidade. Qualidade, digo sem falsa modéstia, temos, mas ainda precisamos crescer numericamente. Porém, esse crescimento não deve se dar a qualquer custo. Precisamos que os nossos alunos espalhados pelos mais variados cursos de graduação passem a ler mais as obras políticas, diria até que é preciso que eles se dediquem mais a leitura dos grandes clássicos da política, de todo aquele conceitual da filosofia contratualista que foi uma sólida base para o iluminismo e as revoluções burguesas.

 

Repito, estamos voltados para o estudo da problemática da democracia no Brasil e para o funcionamento das Instituições Políticas. No Brasil quando se fala de democracia inevitavelmente termina-se por falar em ditaduras e autoritarismos de toda a sorte, mas é preciso ter cuidado com a forma como se emprega os termos e conceitos. Uma coisa é falar em ditadura como oposto daquilo que ainda queremos para a nossa sociedade, outra coisa é utilizar-se das normas regimentais de uma Instituição para cumprir ou não tarefas. O nosso exercício diário é contribuir para irmos construindo uma cultura política democrática em nossa sociedade e não para reafirmarmos, através de uma prática pretoriana, uma realidade histórico-política das mais perversas. Como bem disse uma outra leitora, citando Rosa Luxemburgo, "ser democrático com quem pensa igual é fácil; difícil é ser democrático com quem pensa diferente". E eu ainda citaria o grande mestre do humor Millor Fernandes que cunhou a seguinte pérola: “Ditadura é você mandar em mim, democracia é eu mandar em você”.

 

 

Este espaço é aberto para a exposição de idéias sobre temas universitários ou não. A opinião emitida nos textos é de total responsabilidades de seus autores.


Data: 20/09/2006