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Burros como somos, artigo de Thomas L. Friedman, sobre a indústria de álcool no Brasil

Se a indústria de cana brasileira executar seu plano de cultivar entre 6 milhões e 10 milhões de hectares nos próximos poucos anos, isto não necessariamente prejudicaria a Amazônia

Thomas L. Friedman - Colunista do "The New York Times", escreveu este texto de SP


Eu fiz ao Dr. José Goldemberg, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e um pioneiro da indústria do etanol (álcool) do Brasil, a pergunta óbvia: a imposição pelos Estados Unidos de uma tarifa de 54 centavos de dólar por galão, para impedir os americanos de importarem o álcool de cana-de-açúcar do Brasil, é "estúpida ou muito estúpida".

Graças à pressão do produtores do Meio-Oeste e do agronegócio, que querem proteger a indústria americana do álcool de milho da concorrência do álcool de cana-de-açúcar brasileiro, nós impusemos uma tarifa pesada para mantê-lo distante.

Nós fizemos isto apesar do álcool de cana brasileiro fornecer oito vezes a energia do combustível fóssil empregado para produzi-lo, enquanto o álcool de milho americano fornece apenas 1,3 vez a energia do combustível fóssil empregado para produzi-lo. Nós fizemos isto apesar do álcool de cana reduzir os gases responsáveis pelo efeito estufa mais que o álcool de milho.

E fizemos isto apesar do álcool de cana poder facilmente ser cultivado em países pobres tropicais da África e do Caribe, podendo assim ajudar de fato a reduzir sua pobreza.

Sim, você leu direito. Nós taxamos o álcool de cana importado, que poderia financiar nossos amigos pobres, mas não taxamos o óleo cru importado, que certamente financia nossos inimigos ricos.

É preferível fortalecer antiamericanos com nossas compras de energia do que promover o combate à pobreza.

"É muito estúpido", respondeu Goldemberg.

Se pareço irritado com isto, é porque estou. Especialistas em desenvolvimento e meio ambiente há muito buscam por formas ambientalmente sustentáveis para reduzir a pobreza rural -especialmente para pessoas que vivem em lugares como o Brasil, onde há tentação constante para explorar madeira da Amazônia.

Certamente, o ecoturismo é bacana, mas não na escala necessária. Como resultado, a população rural do Brasil está sempre tentada a explorar madeira ou plantar em áreas sensíveis.

O álcool de cana poderia ser uma alternativa sustentável, escalável - se formos espertos e nos livrarmos de tarifas ridículas, e se o Brasil for esperto e começar a pensar imediatamente em como expandir sua indústria de biocombustível de cana-de-açúcar sem prejudicar o meio ambiente.

A boa notícia é que a cana-de-açúcar não exige irrigação e não cresce em grande parte da Amazônia, devido ao excesso de umidade. Assim, se a indústria de cana brasileira executar seu plano de cultivar entre 6 milhões e 10 milhões de hectares nos próximos poucos anos, isto não necessariamente prejudicaria a Amazônia.

Mas o cultivo da cana-de-açúcar está localizado principalmente no centro-sul do Brasil, ao redor de São Paulo e ao longo da costa nordeste, em áreas mais secas antes ocupadas pela Mata Atlântica, que possui mais espécies diferentes de plantas e animais por hectare do que a Amazônia. Restam apenas 7% do total da Mata Atlântica -graças às plantações de cana, café, laranja e ao pasto do gado.

Eu sobrevoei de helicóptero a região próxima de São Paulo e o que vi não era bonito: mansões sendo construídas nas encostas de floresta próximas da cidade, rios assoreados devido ao desmatamento até suas margens e grandes trechos de floresta que foram desmatados e nunca retornaram.

"Dá vontade de chorar", disse Gustavo Fonseca, meu companheiro de viagem, um brasileiro e vice-presidente executivo da Conservation International.

"O que vejo aqui é um sistema totalmente dominado pelo ser humano, no qual grande parte da biodiversidade desapareceu".

À medida que aumentar a demanda por álcool, e isto é bom para o Brasil e para os países em desenvolvimento, disse Fonseca, "nós teremos que cuidar para que a expansão ocorra de forma planejada".

Ao longo dos últimos cinco anos, a Amazônia perdeu 20 quilômetros quadrados por ano, grande parte para pastos, plantação de soja e óleo de palmeira. Uma expansão semelhante para o álcool de cana destruiria o cerrado, outra área incrivelmente rica em espécies e o melhor lugar no Brasil para plantar mais cana-de-açúcar.

Há uma proposta circulando no governo brasileiro para uma grande expansão da indústria de cana, muito além dos planos do setor. Não é de se estranhar que ambientalistas estejam prestes a realizar uma conferência na Alemanha sobre o impacto dos biocombustíveis.

Eu posso ver alguns grupos em breve pedindo por um boicote do álcool -assim como aos alimentos geneticamente modificados- se sentirem que os biocombustíveis estão violando o meio ambiente.

Nós temos as ferramentas para resolver estes conflitos. Nós podemos mapear as terras que precisam de proteção por sua biodiversidade ou pelos benefícios ambientais que propiciam às comunidades rurais.

Mas produtores de cana, governos e ambientalistas precisam discutir desde já a identificação destas terras e comprometer o dinheiro necessário para protegê-las.

Caso contrário, nós teremos uma luta por cada hectare e o álcool de cana nunca cumprirá seu potencial. E isto seria muito, muito estúpido.

Tradução: George El Khouri Andolfato.


Data: 21/09/2006