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O retrocesso do Instituto de Física da USP, artigo de Victor O. Rivelles

Enquanto as Universidades federais lutam contra forças que tentam minar a qualidade de suas atividades, o IFUSP, sem nenhuma pressão externa, abre mão gratuitamente de uma de suas mais poderosas prerrogativas, a qualidade do ensino

Victor O. Rivelles - Professor titular do Instituto de Física da USP


Desde sua fundação, o Instituto de Física da USP sempre teve um papel de destaque na formação dos físicos brasileiros.

A qualidade de seus cursos é indiscutível e tem reconhecimento internacional. Um dos diversos elementos responsáveis por esse sucesso é a atribuição de uma turma por docente em cada período letivo, o mesmo padrão de carga didática encontrado nas melhores Universidades do mundo.

Isto garante aos docentes condições de preparar adequadamente suas aulas, prestar atendimento aos alunos fora do horário de aulas e manter suas atividades de pesquisa, de forma a manter-se atualizado e poder ministrar aulas de qualidade.

É claro que qualquer docente pode arcar com uma carga didática maior sabendo, de antemão, que a excelência de suas aulas será reduzida à medida que suas horas de aula aumentarem.

É exatamente isto que distingue as melhores universidades, a tradição de combinar docência de alta qualidade e pesquisa de alto padrão. É assim no mundo inteiro e assim tem sido no IFUSP até o presente.

A imposição do mínimo de oito horas de aula semanais pela LDB trouxe um grande problema para os institutos e departamentos de física das Universidades federais que tradicionalmente atribuíam uma turma por docente.

Como conseqüência, um professor deve, em geral, ministrar aulas para mais de uma turma, indo na contramão da tendência universal do ensino de qualidade.

As Universidades federais tentaram, então, encontrar meios de acomodar-se a LDB e ao mesmo tempo reter o padrão de qualidade de suas instituições, procurando manter, na medida do possível, a carga didática de um curso por docente.

A grande maioria encontrou saídas engenhosas para o problema trazido pela LDB e tiveram sucesso nessa empreitada. Na USP, por outro lado, o mínimo exigido são seis horas de aulas semanais.

O IFUSP, por sua vez, sempre ignorou essa norma e continuou mantendo a carga tradicional de uma turma por docente, quer com seis, quer com quatro horas semanais, garantindo a qualidade de seus cursos. Infelizmente, esta situação pode mudar.

Devido ao número reduzido de professores que existem atualmente e devido ao número excessivo de disciplinas, há um movimento articulado para quebrar essa tradição de qualidade.

Ao invés dos dirigentes do Instituto usarem o fato de não ser possível cumprir a carga didática mantendo o seu padrão de excelência usual, argumentos poderosos para justificar a contratação de novos docentes, preferem seguir uma linha legalista.

Querem simplesmente fazer cumprir a exigência das seis horas semanais, atribuindo para vários docentes duas turmas no mesmo semestre. Mesmo que tal medida dure um tempo determinado, como proposto, acarretará, sem dúvida, uma queda no nível do ensino do instituto.

Obviamente, a maior parte dos docentes preocupados com a qualidade do ensino não apóia tal medida. Surpreendentemente, vários docentes ligados à área de ensino são os maiores partidários desta proposta perniciosa.

Apóiam uma decisão que vai causar prejuízo à qualidade dos cursos ministrados no IFUSP indo de encontro aos propalados ideais de lutar pela melhoria do ensino em todos os níveis.

A decisão será tomada em breve. Vamos esperar que os responsáveis tenham discernimento suficiente para manter a qualidade do curso de física mais tradicional do Brasil.

Enquanto as Universidades federais lutam contra forças que tentam minar a qualidade de suas atividades, o IFUSP, sem nenhuma pressão externa, abre mão gratuitamente de uma de suas mais poderosas prerrogativas, a qualidade do ensino.

O simples fato de que tal proposta tenha chegado ao ponto em que chegou caracteriza um grande retrocesso do IFUSP.

Isto não é um fato isolado, mas a expressão mais veemente da decadência que o instituto vem sofrendo em sua história recente.

Só resta aguardar uma mobilização daqueles comprometidos com o elevado nível de excelência que sempre caracterizou o IFUSP, a fim de manter seu rumo na direção do ensino de qualidade e da pesquisa de alto nível.

Esta ainda é a melhor forma de servimos a sociedade que nos patrocina.


Data: 22/09/2006