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A Pnad e a educação, editorial do "O Estado de SP"

A saída precoce desses jovens dos bancos escolares prejudica a qualidade da mão-de-obra, prenunciando para o futuro uma queda mais lenta da desigualdade de renda

Editorial publicado em O Estado de SP

Os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgados pelo IBGE fazem soar novamente o sinal de alerta: a educação brasileira continua muito abaixo dos padrões necessários a uma economia dinâmica e competitiva - capaz de aumentar sua presença no mercado mundial, condição básica para a geração de emprego e redução da desigualdade social.

No âmbito do ensino fundamental, pelo segundo ano consecutivo cresceu a parcela de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola.

Em 2004, 17,8% dos jovens largaram os estudos para trabalhar e ajudar a compor a renda familiar. Em 2005, o índice foi de 18%. A variação é pequena, mas preocupante.

A saída precoce desses jovens dos bancos escolares prejudica a qualidade da mão-de-obra, prenunciando para o futuro uma queda mais lenta da desigualdade de renda.

Esse é mais um sinal das graves distorções que caracterizam o sistema educacional. Embora o Brasil tenha universalizado o ensino fundamental no final da última década, até hoje a rede pública não consegue reter parcelas significativas de crianças e adolescentes nas salas de aula.

"O maior número de jovens fora da escola foi a pior notícia da Pnad em 2004 e, agora, o problema se repete", afirma o economista Sergei Soares, do Ipea.

Outro indicador preocupante da Pnad diz respeito ao analfabetismo na população com idade superior a 15 anos. Entre 1992 e 2002, a redução do número de analfabetos foi de 0,5% ao ano, em média.

Nos três anos seguintes, essa redução ficou em apenas 0,3% ao ano. Em termos absolutos, havia 14,8 milhões de analfabetos, em 2002.

Em 2005, havia 14,6 milhões. Com isso, o problema do analfabetismo praticamente permaneceu inalterado, como se não houvesse alfabetização de adultos no País.

Contudo, entre 2003 e 2005, a União gastou R$ 330 milhões no Brasil Alfabetizado, um programa concebido para alfabetizar cerca de 3,4 milhões de adultos.

Trata-se de um sistema de financiamento parcial, pelo governo federal, de uma ampla rede de órgãos públicos municipais e estaduais, entidades privadas e ONGs, cujos trabalhos de alfabetização passam por um complexo processo de aprovação e posterior monitoramento e avaliação. Em 2005, foram concedidos 637 financiamentos, envolvendo 98,9 mil alfabetizadores e atingindo quase 2 milhões de alunos.

O que explica o resultado pífio desse esforço gigantesco da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC detectado pela Pnad?

Uma das justificativas do governo diz respeito ao perfil do programa Brasil Alfabetizado. Originariamente, ele foi concebido para atrair os analfabetos absolutos, que não têm nenhuma noção de leitura e escrita, não sabendo assinar nem mesmo o próprio nome.

Mas, na prática, ele estaria atraindo os analfabetos funcionais, que têm noções rudimentares de leitura, mas não conseguem entender textos simples.

Para Ricardo Paes de Barros, do Ipea, os números da Pnad são "uma evidência bastante forte de que o programa está mal focalizado".

Mais uma vez, como se vê, órgãos insuspeitos, como o IBGE, comprovam com suas pesquisas a ineficácia da política educacional em vigor.

Se o País não consegue reter parte dos jovens na escola nem vencer o desafio da alfabetização de adultos, como foi detectado pela Pnad, é porque os programas educacionais não dão prioridade ao ensino básico.

Além disso, vários desses programas foram criados com objetivos meramente eleiçoeiros. Ou então, como é o caso do Brasil Alfabetizado, uma iniciativa importante, acabaram sendo mal concebidos pelo MEC.

Deste modo, sem qualidade na educação fundamental, cujos efeitos distributivos são amplamente conhecidos, como pode o Brasil formar o capital humano necessário ao crescimento econômico do qual depende a redução da pobreza?

Em suma, tanto nesse quanto em outros índices da Pnad - comentados em editorial de terça-feira - o que fica claro é que, ao cantar as vitórias do seu governo, o presidente Lula tem mostrado um acentuado descompromisso com a verdade dos fatos mensurados pelas estatísticas.


Data: 25/09/2006