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Joseph Stiglitz: "Globalização produz países ricos com pessoas pobres"

Para o Prêmio Nobel de 2001, a receita para fazer esse processo funcionar é usar o chamado "modelo escandinavo"

Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel da Economia em 2001, em seu mais recente livro Making Globalization Work (Fazendo a Globalização Funcionar) diz que esse processo está produzindo "países ricos com pessoas pobres".

Para o economista, a globalização pode ser uma grande promessa se for administrada de maneira adequada. Ele acredita que a receita para fazer a globalização funcionar é o que se chama de 'modelo escandinavo'.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

- O sr. disse que a globalização está produzindo "países ricos com povos pobres" não apenas no mundo em desenvolvimento mas também nos países avançados, incluindo os EUA. O que quer dizer com isso?

Stiglitz - Apesar da promessa de que uma globalização bem administrada melhoraria a vida de todos, o lado não apregoado da globalização ao estilo americano é que ela está deixando muitos em situação pior nos países industriais avançados. Isso tem acontecido mesmo quando aumenta o crescimento econômico porque a globalização exerce uma intensa pressão para a redução dos salários dos trabalhadores não especializados e menos especializados da força de trabalho. A dinâmica por trás disso pode ser facilmente percebida supondo-se uma informação perfeita em mercados globais. Isso significaria que todos com o mesmo nível de especialização teriam o mesmo salário. Nas circunstâncias vigentes, de informação imperfeita, e com o livre fluxo dos capitais mas não da mão-de-obra como bem ilustra a terceirização, podemos ver os salários sendo comprimidos. Nos últimos cinco anos, os salários reais caíram nos EUA. Além disso, existe um fator adicional que alguns chamam de "walmartização". Evidentemente, a Wal-Mart leva produtos mais baratos para trabalhadores em países como os EUA, mas sintetiza o modelo conservador segundo o qual uma companhia deve cortar gastos para permanecer competitiva, ou um país deve cortar impostos e benefícios sociais para ser globalmente competitivo. Na sociedade resultante, os vencedores da globalização - aqueles com capital e especialização mais alta - estão melhores, mas a classe média está sendo espremida pela perda de pensões e assistência médica e os salários reduzidos. A sociedade americana está sendo esvaziada para que haja somente um topo e um fundo. Nos países em desenvolvimento, os acordos de livre comércio desiguais também pioraram as coisas para muitos. Nos primeiros 10 anos do Acordo de Livre Comércio da América do Norte, por exemplo, a disparidade de renda entre americanos e mexicanos cresceu mais de 10%. Agricultores mexicanos pobres agora têm de competir em seu país com o milho americano fortemente subsidiado, o que com freqüência os expulsa do campo para as cidades ou para os EUA, ainda que o milho tenha ficado mais barato para os moradores urbanos. No geral, os países desenvolvidos impõem a países em desenvolvimento tarifas quatro vezes maiores na média que as impostas a outros países desenvolvidos. Os países ricos têm custado aos países pobres três vezes mais em restrições comerciais do que dão em ajuda ao desenvolvimento global.A globalização representa uma grande promessa se for administrada de maneira adequada. Mas ela só funcionará se os vencedores dividirem seus benefícios com os perdedores.

- Essa linha de raciocínio já foi considerada radical, mas agora até o presidente do Federal Reserve (banco central americano), Ben Bernanke, disse recentemente que a redução dos benefícios sociais nos EUA e a desigualdade resultante da globalização estão se tornando enormes demais para durar. Ele teme que isso resulte numa recaída no protecionismo a menos que surjam políticas sociais compensatórias.

Stiglitz - Ele está absolutamente certo. Nisso nós estamos juntos. Agora temos a Organização Mundial do Comércio e um conjunto de regras comerciais internacionais que poderiam ajudar a mitigar uma recaída. Já aconteceu antes, no período entre as duas grandes guerras no século passado - antes do qual o comércio mundial era maior do que é agora. Então poderá acontecer de novo se continuarmos com uma globalização desenfreada.

- Que conjunto de políticas nos países avançados pode fazer a globalização funcionar?

Stiglitz - A receita para fazer a globalização funcionar é o que geralmente se chama de 'modelo escandinavo'. Isso significa altos níveis de investimento em educação, pesquisa e tecnologia mais uma forte rede de segurança. Mas isso, claro, também acarreta, como nos países escandinavos, um imposto de renda altamente progressivo. Longe de tornar esses países menos competitivos, tornou-os mais. Por mais que isso possa parecer uma contradição para ideólogos conservadores para quem cortar impostos é a resposta para tudo, o fato é que as pessoas são mais dispostas a correr riscos empresariais se puderem contar com uma rede de segurança e se tiverem o treinamento para ser inovadoras. Na Suécia, os social-democratas que moldaram essa política perderam recentemente o poder. Mas não devemos entender isso como algum tipo de ruptura no consenso social. O novo governo, mais conservador, fará apenas um ajuste fino no modelo.

- Por que o Leste Asiático tem sido tão bem-sucedido em tirar proveito da globalização, enquanto a América Latina, por exemplo, não.

Stiglitz - Os países do Leste Asiático - primeiramente Japão e depois países como Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul e agora China - compreenderam que seu atraso em relação ao mundo avançado era em conhecimento e tecnologia. Por isso, eles encorajaram o investimento estrangeiro direto, insistindo na transferência de tecnologia, e investiram maciçamente em educação e infra-estrutura, em grande parte com as próprias poupanças nacionais, que são as mais altas do mundo. A China, especialmente, abraçou a globalização nos seus próprios termos. Ela foi lenta para abrir seus mercados a importações e mesmo hoje não permite a entrada dos fluxos de capital especulativo, de curto prazo, que tão facilmente conduzem aos ciclos de expansão e implosão nas economias emergentes. Mas, acima de tudo, a China, como os outros, não confiou no trickle-down (teoria conservadora segundo a qual a acumulação de riqueza no topo beneficia paulatinamente os de baixo) da riqueza, mas procurou melhorar a situação dos mais pobres com intervenção do governo. Na última década e meia, centenas de milhões saíram da pobreza absoluta ali. Agora que está surgindo uma grande diferença de riqueza por causa do crescimento rápido e sustentado, o Partido Comunista colocou a nova política de 'harmonia' no topo da sua agenda, visando impedir que a diferença se torne grande demais. A América Latina tem sido, no geral, uma imagem espelhada do Leste Asiático. Ela não tem poupanças domésticas. Não tem os recursos fiscais para os necessários investimentos em educação e pesquisa ou para pagar por uma rede de segurança. Ela permitiu o capital especulativo de curto prazo, que fugiu ao primeiro sinal de encrenca, enviando um país como a Argentina com classificação A+ do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a inadimplência e a calamidade.Embora o Chile seja uma exceção, o crescimento na América Latina tem sido cheio de vaivéns. No geral, ele tem sido fraco e não sustentável - exceto na exportação de matérias-primas para a China.

- O sr. criticou com freqüência o "déficit democrático" no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial. Numa reunião recente em Cingapura, Brasil, China, Coréia do Sul e México receberam maior participação na diretoria. Isso é significativo?

Stiglitz - Claramente, o Fundo Monetário Internacional havia perdido toda legitimidade política. Suas pressões e prescrições pioraram muito a crise asiática e causaram um desastre em lugares como a Argentina. Se isso será um passo à frente? Tomara que seja. Mas teremos de esperar para ver. Por enquanto, tendo a ficar com os céticos que acham que trazer essas economias emergentes para a diretoria visa aliviar a pressão por reformas fundamentais. Os EUA ainda, e inescrupulosamente, conservam seu poder de veto. E o Banco Mundial só pode ser presidido por um americano ainda. Quando esses aspectos forem reformados, talvez isso possa fazer uma diferença real.


Data: 27/09/2006