O clima do clima parece mudar, artigo de Washington Novaes
 Além das iniciativas internas, Blair, que já havia assinado com o Estado da Califórnia (EUA) um acordo de cooperação tecnológica na área das mudanças climáticas, participa também de outro pacto que esse Estado firmou com a cidade de Nova York para reduzir emissões
Washington Novaes - Jornalista, supervisor geral do Repórter Eco e consultor de meio-ambiente da TV Cultura-SP
Já na reta final de preparativos para mais uma reunião dos países que participam da Convenção de Mudanças Climáticas - marcada para novembro em Nairóbi, no Quênia -, há sinais de que, diante da gravidade das questões já evidenciadas, começam a mudar as posturas dos principais interlocutores.
Pode-se começar pelas declarações da ministra britânica de Relações Exteriores, Margaret Beckett, exortando o próximo presidente dos Estados Unidos a participar de negociações sobre esse tema, que "está se tornando uma questão crucial na política externa" - porque, lembrou ela, já há evidências de mudanças fortes no regime de chuvas, de danos a colheitas e de agravamento dos problemas de suprimento de água. Além das previsões de elevação do nível do mar.
O próprio primeiro-ministro Tony Blair está propondo que se crie um sistema de auditorias para avaliar a contribuição de cada pessoa à emissão de gases - e limites para elas.
Acha até que o governo deve dar o exemplo, por isso, todos os edifícios governamentais devem reduzir em 30% a emissão de gases até 2020.
Outras metas do governo britânico para o fim desta década: reduzir em 25% a produção de lixo nos edifícios públicos, reciclar 75% do lixo produzido e aumentar em 30% a eficiência energética.
Além das iniciativas internas, Blair, que já havia assinado com o Estado da Califórnia (EUA) um acordo de cooperação tecnológica na área das mudanças climáticas, participa também de outro pacto que esse Estado firmou com a cidade de Nova York para reduzir emissões.
"Não podemos esperar por Washington", disseram o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, e o prefeito nova-iorquino, Michael Bloomberg.
A Califórnia assume mais e mais a vanguarda da pressão interna nos Estados Unidos para que o país aceite compromissos na área do clima. Uma nova lei determina uma redução de 25% nas emissões estaduais até 2020 - e isso inclui termoelétricas e refinarias de petróleo.
Já está em vigor a lei que determina redução de 30% das emissões de veículos até 2009 (e o exemplo começa a ser seguido por outros Estados).
Além disso, o Estado está abrindo processo contra seis das maiores montadoras de veículos para responsabilizá-las por danos provocados por emissões.
Na Suíça, numa reunião preparatória para Nairóbi, ministros do Meio Ambiente de 40 países reiteraram preocupações com as mudanças em curso.
E o próprio país hospedeiro mostrou haver tido no ano passado gastos de cerca de US$ 4 bilhões por causa do derretimento de geleiras.
Propôs mesmo a criação de uma taxa internacional sobre as emissões de gases do efeito estufa, com a arrecadação destinada a ajudar os países mais pobres a enfrentar as conseqüências das mudanças climáticas.
O novo secretário da Convenção, Yvo de Boer, relembrou há poucos dias que os países industrializados precisarão reduzir suas emissões entre 60% e 80% até 2020, já que eles consomem 51% do total da energia no mundo, com um consumo per capita 11 vezes maior que o dos países mais pobres (só os Estados Unidos respondem por 24% das emissões totais; a União Européia, por 10%).
A geração de emissões, entretanto, está crescendo muito na China (mais 33% em uma década) e na Índia (mais 57%). Em 30 anos, diz o Banco Asiático de Desenvolvimento, o consumo de energia na Ásia cresceu 230% (no resto do mundo, 75%).
Segundo a Energy Information Administration, dos Estados Unidos, apesar de todos os problemas das emissões na queima de combustíveis fósseis, a previsão é de que, para atender ao aumento da demanda de energia, o consumo mundial de petróleo subirá dos atuais 86 milhões de barris por dia para 118 milhões em 2030 e o de gás natural passará de 95 trilhões de metros cúbicos (2003) para 182 trilhões em 2030 (mais 92%).
E com isso as emissões de dióxido de carbono (CO2) saltarão das atuais 25 bilhões de toneladas para 43,7 bilhões em 2050.
A cada dia surgem novos estudos científicos para evidenciar o agravamento dos problemas por causa das emissões.
Um dos mais recentes, de cientistas espanhóis, diz que com o aumento da temperatura os oceanos deixarão de absorver 4 bilhões de toneladas de CO2 por ano ou 400 bilhões em um século.
Há poucos dias, o governo norte-americano anunciou um "plano estratégico de longo prazo para reduzir o impacto do aquecimento com novas tecnologias".
É um plano para um século, no qual já se aplicam US$ 3 bilhões anuais e que tem como ponto central o já alardeado projeto de seqüestro de carbono nas unidades geradoras de emissões e seu depósito no fundo do mar ou em antigos campos de petróleo - no último caso, com a vantagem adicional de tornar mais disponível o óleo de camadas profundas.
Já foram comentadas neste espaço as dúvidas de geomorfologistas e especialistas em biodiversidade marinha sobre esse caminho. Mas ele é a grande esperança dos que não querem mudar as matrizes energéticas.
E já há três projetos-piloto em atividade, na Argélia, no Canadá e no Mar do Norte, ao largo da costa da Noruega.
Fora daí, por ora a atenção está nos projetos no âmbito do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo. Segundo o Secretariado da Convenção, em 2012 se chegará a 1 bilhão de toneladas reduzidas por essa via.
Qualquer que seja o caminho, entretanto, como tem dito Yvo de Boer, um novo pacto para depois de 2012, quando se esgota o de Kyoto, não poderá dispensar a participação dos Estados Unidos. E, por isso, é decisiva a movimentação que está acontecendo ali.
E o Brasil, que está entre os cinco maiores emissores de gases do mundo, o que dirá em Nairóbi? Data: 29/09/2006
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