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Dilemas da humanidade do século 21

O economista Ignacy Sachs discute, em palestra na FEA-USP, grandes desafios da humanidade, como o déficit agudo de trabalho decente e a urgência em responder às mudanças climáticas e ao "domínio explosivo" do petróleo.

"A finalidade do desenvolvimento é sempre social e se baseia em princípios de ética e de solidariedade. Somente quando esses conceitos estiverem em plena sincronia com os condicionantes ecológicos e com as garantias de viabilidade econômica será possível construir um projeto de futuro triplamente vencedor, com base em ganhos sociais, ambientais e econômicos."

As idéias são do economista Ignacy Sachs, professor emérito da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Ehess), da França, e foram registradas na tarde de segunda-feira (23/10), na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de SP (FEA-USP), no encontro intitulado "Como pensar o desenvolvimento no século 21?".

Nascido em Varsóvia, Polônia, em 1927, e naturalizado francês, Sachs é também co-diretor do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo da Ehess. O economista considera-se um otimista e diz ter plena convicção de que o desenvolvimento futuro não será baseado na "repetição dos resultados pífios do passado".

"Mas não podemos simplesmente extrapolar as condições passadas, pois isso levaria ao acúmulo de novas catástrofes sociais. Temos que ter coragem e ambição de inventar um caminho novo a partir da análise crítica dos paradigmas falidos", disse Sachs a uma platéia formada por alunos e professores da FEA.

Neste começo de século, segundo ele, três grandes desafios mundiais deverão ser perseguidos. O primeiro é o déficit agudo de trabalho decente - conforme definido pela Organização Internacional de Trabalho em termos de remuneração, de condições e de relações de trabalho satisfatórias.

"Quase um terço da força de trabalho mundial está desempregada ou trabalha em condições de extrema precariedade. Apesar do crescimento da economia mundial, a escassez de trabalho é um dos problemas que só se agrava com o passar dos anos", disse.

Transformar o país para abrigar trabalhadores estrangeiros seria uma solução. "O pleno emprego deve ser o foco central de qualquer programa de desenvolvimento. Pensando nisso, a Europa conseguiu exportar mais de 90 milhões de camponeses para as Américas", disse. Se fossem consideradas as proporções demográficas, hoje seria preciso inventar um novo espaço para abrigar algumas centenas de milhões de trabalhadores rurais chineses e indianos.

"Se pudéssemos transformar o Brasil em uma imensa 'floricultura', devido à capacidade do país para abrigar cerca de 15 empregos por hectare de terra, toda a mão-de-obra ociosa de outros países poderia ser importada para a geração de riqueza em território nacional, além de garantir a segurança alimentar mundial", disse.

No lado ambiental, Sachs aponta a questão das mudanças climáticas como a grande vilã do século. Para ele, enquanto a dependência de energia fóssil não for alterada de maneira radical, a probabilidade de ocorrer modificações climáticas irreversíveis com conseqüências sociais desiguais será cada vez mais aparente.

"Sabemos que a proposta do Protocolo de Kyoto é uma brincadeira com relação ao que deve ser feito. Ainda que seja inteiramente respeitado, o protocolo atingiria apenas 10% da redução das emissões dos gases do efeito estufa", disse Sachs à "Agência Fapesp".

Segundo estimativas, para estabilizar os crescentes níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, o principal gás do efeito estufa, seria necessário reduzir as emissões em 60% até meados do século.

"O Protocolo de Kyoto propõe apenas 6% de redução. A grande questão é que ele não está trabalhando pela solução do problema, mas sim com o que foi possível negociar entre os países envolvidos", disse. Sachs define o documento como "apenas uma sinalização de que os políticos entenderam a existência do problema das mudanças climáticas".

Geopolítica do petróleo

O terceiro grande desafio mundial do século 21 seria, na opinião de Ignacy Sachs, "a necessidade de nos libertamos da geopolítica explosiva do petróleo e de um mundo extremamente instável do ponto de vista político e econômico".

"É lamentável vermos um país com as vantagens comparativas do Brasil, que possui a maior biodiversidade do mundo, enormes reservas de solos cultiváveis e recursos hídricos em abundância, engatinhar na produção de biodiesel. O Brasil ainda caminha para a adição de apenas 2% de biodiesel ao diesel de petróleo, com a perspectiva de mais três anos para passar a 5%. Isso é muito pouco", afirmou.

Para Sachs, é preciso colocar na pauta de discussões de entidades internacionais a perspectiva de construção de uma "civilização moderna de biomassa", na qual uma das diretrizes seria a substituição gradual da energia fóssil utilizada atualmente.

"Precisamos migrar para outro nível da espiral do conhecimento. A biomassa não se resume apenas a agroenergia. Biomassa é alimento, ração animal, adubo verde, material de construção, matéria-prima industrial, fármaco e cosmético. Outro grande dilema é saber até onde poderemos chegar com a expansão da produção baseada no trinômio biodiversidade, biomassa e biotecnologia", disse.

Soluções para os problemas energéticos devem ser buscadas, defendeu Sachs, mas sem afetar o meio ambiente e sem agravar ainda mais os problemas sociais. "Esse é um desafio enorme da humanidade, em particular do Brasil, por ser o país com as melhores condições do mundo para avançar rumo à civilização moderna de biomassa", afirmou.


Data: 25/10/2006