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Educação deve ter metas, dizem especialistas

Segundo eles, embora programas de transferência de renda como o Bolsa-Família aliviem a miséria, não dão base para desenvolvimento

O recuo do Brasil no ranking de desenvolvimento das Nações Unidas veio confirmar um alerta que há tempos vem sendo feito por uma corrente de economistas. Programas de transferência de renda trazem alívio imediato para as dificuldades enfrentadas por uma legião de pessoas que vivem na miséria. Mas não abre caminho para desenvolvimento.

'O Bolsa-Família reduz o sofrimento, faz diferença, mas por um curto período. Desacompanhados de investimento em infra-estrutura e medidas de inclusão, programas de transferência de renda não se distanciam muito de distribuição de cestas básicas', disse a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Lobato.

Ela afirma não ter se surpreendido com o fato de o Brasil ter caído no ranking, que analisa o desempenho de 177 países.

Divulgado anteontem, o relatório mostra que o Brasil apresentou uma melhora no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas tão pequena que não foi suficiente sequer para o País manter a posição na classificação. No relatório deste ano, ele cai da 68ª posição para 69ª.

Embora o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil tenha aumentado no ano analisado (3,1%), os demais indicadores (expectativa de vida, taxas de alfabetização de adultos e de matrículas) permaneceram praticamente na mesma.

Ana avalia que a situação do Brasil no ranking somente não é pior porque não são contabilizadas pela metodologia as taxas de evasão nas escolas. 'Matrículas interessam a todos.

Prefeitos ganham pelo desempenho, pais ganham o Bolsa-Família, o governo reúne indicadores. Mas se formos olhar, de fato, quem está na escola, certamente este número será muito menor'.

Fundeb

Para especialistas em educação, se o Brasil quer voltar a subir no ranking do desenvolvimento humano, deve aprovar e implementar logo o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

O projeto está no Congresso há mais de um ano e ainda precisa passar pela última votação no plenário da Câmara.

É o investimento em educação que pode evitar que o País ande de lado daqui para a frente, diz José Carlos Libânio, especialista no Brasil do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), responsável pelo Relatório de Desenvolvimento Humano que traz o ranking por IDH.

Em sua avaliação, depois do grande esforço para levar as crianças brasileiras à escola, é necessário agora um novo impulso no setor, voltado à redução das desigualdades regionais e à melhoria da qualidade.

'O Fundeb é o que pode fazer, no momento, que haja algum equilíbrio no Brasil', explica Libânio. O Fundeb foi encaminhado pelo governo federal ao Congresso em junho do ano passado.

O projeto propõe um fundo de financiamento do ensino básico na rede pública, distribuindo mais recursos aos Estados mais carentes. Aprovado com diversas emendas na Câmara, foi para o Senado, que o aprovou em julho deste ano.

Como houve mudanças no texto - a inclusão do piso salarial do professor, por exemplo -, o projeto voltou à Câmara, que não pode votá-lo antes de apreciar medidas provisórias que trancam a pauta. Não há previsão de quando isso ocorrerá.

Para Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, que coordena projetos educacionais em todo o País, os governantes estão sem foco para tratar da educação após a chamada universalização do acesso.

'Ainda estamos divididos entre quantidade e qualidade', diz . 'Mesmo com milhões de crianças na escola, continuamos fazendo educação para poucos, pois poucos têm escola de qualidade'.

Meta de educação

Para Viviane, só ter mais recursos não vai resolver. 'É uma questão de decisão ética e de gestão: é possível oferecer educação de qualidade quando você estabelece metas, cobra resultados, avalia o que foi feito e corrige o que precisa melhorar', diz.

'A educação precisa de metas qualificadas, que tenham a mesma importância que a meta de inflação ou a de superávit primário', compara Célio da Cunha, especialista em Educação da Unesco no Brasil. 'Além disso, é necessário orquestrar as metas da União, Estados e municípios'.

Viviane Senna e José Carlos Libânio participaram ontem de uma apresentação do relatório do PNUD em SP, com uma abordagem específica sobre a Educação.

O relatório, que tem como tema o problema mundial da água, mostra que a falta de abastecimento e de saneamento também prejudica 150 milhões de alunos no mundo inteiro.

'O trabalho de buscar água em regiões áridas e as doenças dos pobres sem saneamento básico impedem estudantes de ir à escola', diz Libânio.


Data: 13/11/2006