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Redução da desigualdade regional perdeu ritmo nos últimos 20 anos

Aproximação entre áreas do país teve no período 1970-1985 velocidade três vezes maior do que de 1986 a 2002

A velocidade da redução da desigualdade regional no país caiu fortemente nas últimas duas décadas. Entre 1970 e 1985, essa redução foi três vezes mais rápida do que entre 1986 e 2002, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No segundo período, faltaram investimentos públicos, o Estado encolheu e políticas regionais foram desmanteladas, segundo o trabalho. Um exemplo do que isso causa: a parcela do Nordeste no PIB brasileiro estacionou durante 19 anos na faixa dos 14%.

É o que mostram dados do IBGE sobre a riqueza nacional por Estados entre 1985 e 2004, último ano com informações disponíveis. O retrato mostra algum recuo do peso relativo do Sudeste, acompanhado de avanço do Centro-Oeste. Mas o Nordeste estagnou como ícone da desigualdade regional.

Os dados indicam a ausência de políticas públicas ativas. De forma geral, a questão do desenvolvimento regional foi assunto relevante nos anos de 1970, mas sumiu dos debates nas décadas seguintes.

Além da redução dos investimentos públicos, reflexo das progressivas restrições fiscais e da redução da presença do Estado, a iniciativa privada opta tradicionalmente por investimentos nas áreas de melhor infra-estrutura, maior renda e chances de lucros.

'Precisamos urgentemente retomar o assunto do desenvolvimento regional. A visão mudou. Não é mais a visão de 'região problema', é de oportunidade - de desenvolvimento e de investimento nessas regiões. Isso inclusive pode ajudar muito na geração de empregos no Brasil', diz o ex-ministro e diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), João Paulo dos Reis Velloso, que participou, na década de 70, da condução das políticas de desenvolvimento.

Autor do estudo sobre desigualdades regionais no Ipea, Aristides Monteiro Neto mostra que o investimento do governo como proporção do PIB caiu nos 30 anos que vão de 1970 a 2000 de 10% em média para 3,2%. 'A trajetória de queda é quase uma constante', diz.

Não bastasse isso, prossegue o economista, os dados mostram que o Nordeste vem recebendo nível de investimento público per capita abaixo da média nacional.

Assim, em 2000 o valor per capita para o nordestino foi equivalente, por exemplo, a apenas 62% da média nacional, enquanto para os habitantes do Sudeste foi 10% superior à média. 'Para modificar a estrutura precisa alterar muito isso', afirma ele.

Para o economista, a redução de disparidades também perdeu fôlego com a 'crise de intervenção estatal' nas duas últimas décadas. E o ajuste 'liberal' desde 1994 não teria permitido a reativação de mecanismos para enfrentar as desigualdades entre regiões.

'Não há consenso sobre o que deve ser feito'

O economista Marcelo Piancastelli de Siqueira, diretor de Estudos Regionais e Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), identifica falta de caminhos para a estratégia de desenvolvimento regional.

'Não existe consenso sequer sobre o que deve ser feito.' Na prática, os instrumentos para modernizar as políticas regionais colheram poucos resultados.

Piancastelli defende investimentos públicos em infra-estrutura como passo para atrair a iniciativa privada para regiões pobres. E espera que o País seja capaz de ir além dos programas de transferência de renda, que não considera suficientes.

Leia entrevista com Piancastelli:

- Por que as agências e os fundos de desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia nunca saíram do papel?

Piancastelli - As várias tentativas de reorganizar a área regional ficaram enredadas na parte burocrática, na escassez de recursos e na falta de pessoal especializado, com experiência. Os decretos de regulamentação dos fundos foram bastante sérios e rigorosos em termos de verificação de investimentos e da idoneidade dos tomadores. E isso não teve boa acolhida nem no Nordeste nem no Norte, tanto por parte das agências como do empresariado. Na experiência anterior, nem sempre as operações de empréstimo eram feitas com o cuidado devido, em termos de garantias e avaliação dos bens imóveis a serem postos sob custódia. Tivemos vários casos na Amazônia e no Nordeste em que as garantias eram fictícias.

- Por que o BNDES tem atuação tão limitada no Norte e Nordeste em comparação ao Centro-Sul?

Piancastelli - A grande diferença são os critérios econômicos e financeiros. Nem todos os setores no Norte e Nordeste estão acostumados a trabalhar do ponto de vista financeiro com o mesmo nível de garantia e o mesmo grau de eficiência do restante do País.

- Os estudos do Ipea sobre desenvolvimento regional não dão ênfase excessiva ao papel do setor público?

Piancastelli - De maneira alguma afirmaria que o setor público é o elemento mais importante. Mas nenhuma região do mundo se desenvolveu sem investimentos públicos. Como conseqüência deles, o setor privado vem atrás. A rede de hotéis do Nordeste, por exemplo, não existiria sem o Prodetur, que permitiu financiamentos públicos, com o BID, para estradas. Em termos de infra-estrutura básica, o setor público é fundamental.

- Qual o impacto do Bolsa-Família no processo do resgate social e econômico das regiões mais pobres?

Piancastelli - O programa se tornou no Nordeste um instrumento extremamente importante, porque permitiu que as faixas D e E participassem do mercado de consumo. É uma política social importante e o País não pode deixar de tê-la. Caso contrário, teríamos áreas de miséria absoluta. Mas só isso não é suficiente. Não é possível sustentar toda a atividade econômica de uma região desse porte apenas na base de transferências. É importante ter a visão paralela de qual será a atividade econômica a ser instalada para que se possa, inclusive, reduzir o papel das transferências no futuro.


Data: 04/12/2006