topo_cabecalho
Universidade velha ( Artigo de José Carlos de Almeida Azevedo)

O Editorial da Folha de São Paulo do dia 22 deste mês chamou a atenção para a proposta do reitor da Universidade Federal da Bahia de reestruturar o ensino superior brasileiro e adotar o que chamou de bacharelados interdisciplinares (BI).

O modelo, velho como a Sé de Braga, existe em universidades européias, em particular nas inglesas, desde o século 12. O mesmo ocorre nas norte-americanas, que concedem o bacharelado em apenas duas áreas -artes e ciências- após estudos que duram dois ou quatro anos e habilitam ao exercício profissional, com restrição para as profissões de advogado e médico. Para estas, o diploma é outorgado após mais três ou quatro anos de estudos e, quem o conquistar, deve ainda cumprir estágios e residências e se submeter ao exame de ordem para exercer a profissão.

A proposta do reitor da UFBA deve ser estimulada "cum grano salis", pois tende a ser mais uma reforma, simples e inconseqüente mudança de rótulo e forma, como a última ocorrida em meio à algaravia de autoproclamados "educadores". Nenhuma prosperará sem ser precedida por mudanças profundas nos níveis de ensino que a antecedem.

Nas escolas de primeiro e segundo graus, os professores são mal remunerados; em muitas delas, não há bibliotecas, laboratórios e práticas esportivas e até faltam água, luz e telefone. Os alunos, por sua vez, são submetidos a uma saturnal de disciplinas desnecessárias, às quais foram acrescentados, há pouco, sociologia, filosofia e estudos afro-brasileiros, contrariando até o meritório esforço da natureza, que, desde a ruptura da Pangéia, nos afasta daquele sofrido e esbulhado continente.

A nova reforma não atenta para o mais importante, a "sinecura acadêmica, a ética universitária" (tomo, por empréstimo, o título do ensaio do professor Edmundo Campos Coelho, do Iuperj).

Diversas instituições classificam as universidades em escala mundial. Por exemplo, Academic Ranking of World Universities, World University Rank e Webometrics Ranking of World Universities, sendo festejada a classificação feita pelo Institute of Higher Education da Universidade Shangai Jiao Tong, na China.

Seus critérios contemplam a qualidade da educação medida pelo número de alunos que receberam o Prêmio Nobel e a Fields Medal, por exemplo; a qualidade do corpo docente, medida pelos mesmos parâmetros, e a citação de seus pesquisadores em temas abrangentes; o número de artigos publicados na "Nature", na "Science" e em revistas congêneres; os artigos listados no "Science Citation Index-Expanded" e no "Social Science Citation Index". E, por fim, o desempenho acadêmico em relação ao tamanho da instituição.

A relação da Shangai Jiao Tong dá a posição exata de cada instituição até a centésima da lista; a partir daí, classifica-as entre limites numéricos. Entre as 30 melhores, há 22 norte-americanas, quatro inglesas, duas japonesas, uma canadense e uma suíça. A USP apareceu entre a 153ª e a 200ª; a Unicamp, entre a 300ª e 400ª, e a de Buenos Aires, entre a 200ª e 300ª.
A questão não é dirigir o estudante para tal ou qual diploma, mas resolver o problema maior das universidades públicas brasileiras, a qualificação dos professores e dirigentes, todos estes "eleitos pela comunidade".

O que ocorreria nessas instituições brasileiras se cancelassem, justamente, a dedicação exclusiva dos professores que, nos últimos três anos, por exemplo, não tiverem publicado um só trabalho de investigação naquelas revistas especializadas? Ou nas instituições em que pelo menos 10% de seus professores não tivessem cumprido tal meta?

Há poucos anos, o sábio físico John A. Wheeler estimou que cerca de 30% do PIB norte-americano é fruto de invenções e desenvolvimentos fundamentados na mecânica quântica, o que representa umas seis vezes o PIB desta Terra Papagalorum.

Por isso também, ao cuidar das mudanças necessárias ao ensino de primeiro e de segundo graus, caberia tornar opcional o que constituiu o saber inútil, ornamental e pedante e dar ênfase à matemática, à língua portuguesa, às ciências e assim por diante.

E convém lembrar as palavras de Steven Weinberg, Prêmio Nobel ("Facing Up, Science and its Cultural Adversaries"): "Estou convencido de que, sem as nossas grandes universidades de pesquisa, nós, nos EUA, teríamos de ganhar a vida plantando soja e mostrando o Grand Canyon para os turistas do Japão e da Europa".
--------------------------------------------------------------------------------
JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO , 75, doutor em física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é ex-reitor da UnB (Universidade de Brasília).

 


Data: 31/01/2007