topo_cabecalho
Mar subiu mais que previsto, diz estudo

Artigo na revista "Science" reforça credibilidade do painel do clima da ONU, que hoje culpará humanos por aquecimento

O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) criado pela ONU anuncia hoje, em Paris, seu mais aguardado relatório -o quarto- sobre aquecimento global.

A primeira parte do documento deve afirmar que é "muito provável" (mas não "virtualmente certa") a responsabilidade humana pelo fenômeno que já está pondo a atmosfera do planeta em polvorosa.

O resumo executivo de 15 páginas, resultante do trabalho de centenas de cientistas, afirmará que a atmosfera terrestre deve aquecer-se em média 3C até 2100, em comparação com a era pré-industrial. De 1906 a 2005, já aumentou 0,74C.

Dirá, também, que não resta muita dúvida de que a queima de combustíveis fósseis é a maior causa da piora do efeito estufa (aprisionamento do calor irradiado pela Terra numa capa de gases, como o dióxido de carbono emitido por termelétricas e veículos).

Uma conseqüência possível é o derretimento completo do gelo marinho sobre o oceano Ártico, nos verões, até o ano 2100.

Disputa política

A disputa em torno de uma expressão ou outra é política. Por trás das duas locuções há uma querela de números: por "muito provável" entende-se que o grau de certeza é de até 90%, enquanto "virtualmente certa" aponta para 99%.

Qualquer país entre os 113 participantes da redação do relatório que seja contrário ao Protocolo de Kyoto -como os EUA- tentará cravar no texto o número mais brando. Não seria a primeira vez.

Nações ricas que se recusam a realizar cortes em suas emissões sempre apostaram no ceticismo. Como a aprovação do relatório tem de ser unânime, negocia-se palavra por palavra.

Dezenas de pesquisadores e representantes de governos estavam isolados ontem na sede da Unesco. Paulo Artaxo, da USP, era um deles. Sua previsão era de prosseguir com o trabalho até as 21h (18h em Brasília).

O relatório que finalizam, apelidado de AR4, adianta muito o ponteiro da certeza. No documento anterior, de 2001, a influência humana era dada só como "provável" (de 50% a 66% de certeza). O restante ficava por conta de causas naturais, como ciclos solares.

O grau de certeza consagrado no AR4 ganhou reforço significativo com um artigo científico publicado hoje na edição on-line do periódico "Science" (http://www.sciencexpress.org).

O texto mostra que as projeções do IPCC em 2001, tidas como exageradas pelos céticos, na realidade se mostraram corretas ou até subestimadas.

Como é de praxe no ramo, o IPCC trabalha com elaborados programas de computador que simulam o comportamento do clima, chamados de "modelos". No trabalho de 2001, os modelos eram alimentados só com dados anteriores a 1990 e regurgitavam previsões para todo o século 21.

O artigo na "Science" -que tem entre seus autores o peso-pesado americano James Hansen, um dos primeiros a alertar para o aquecimento global- comparou as projeções com os dados reais do clima. O resultado só aumenta a credibilidade do painel da ONU.

No caso da temperatura, o acréscimo de 0,33C observado e medido entre 1990 e 2006 cabe exatamente dentro da margem projetada pelos modelos.

Acompanha a faixa superior, contudo, a dos cenários de grandes emissões de gases-estufa (assim como a evolução do peso de uma criança que come muito fica no limite de cima do gráfico de crescimento ideal).

Algo semelhante ocorreu com as previsões sobre elevação do nível do mar, principalmente por expansão térmica (a água aquecida ocupa um volume maior).

Em 2001, o IPCC previa um aumento de no máximo 2 mm/ano. Entre 1993 e 2006, porém, foram medidos 3,3 mm/ano. Ou seja, o mar está subindo mais rápido do que os modelos indicavam.

O alemão Stefan Rahmstorf, um dos autores do artigo, também trancafiado na Unesco ontem na redação do AR4, nega que a subestimação de valores possa ter algo a ver com disputa política: "Há muitos rumores falsos circulando", limitou-se a responder por e-mail.

Versões do AR4 que já foram vazadas indicam que o oceano pode subir entre 28 cm e 43 cm neste século (em 2001, o IPCC falava em 0,9 cm a 88 cm). Em dezembro, outro trabalho de Rahmstorf apontava um intervalo de 50 cm a 140 cm. (Com agências internacionais)


Data: 02/02/2007