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Conhecimento ameaçado de extinção

Documentário produzido na UFMG mostra que conhecimento sobre plantas medicinais está fadado ao esquecimento

O desinteresse das novas gerações pelas potencialidades medicinais das plantas nativas e o desmatamento sistemático ameaçam extinguir o centenário ofício de raizeiro e relegar definitivamente ao esquecimento saberes desde muito cultivados em terras brasileiras.

"É papel da Universidade não deixar que esse conhecimento morra", afirma a professora Maria das Graças Lins Brandão, da Faculdade de Farmácia da UFMG, coordenadora do projeto Plantas Medicinais da Estrada Real, que acaba de produzir o documentário Plantas medicinais, um saber ameaçado.

"É necessário pesquisar, recuperar e valorizar o saber, repassando-o para gerações futuras", defende a professora, ao destacar o envolvimento de estudantes dos cursos de Farmácia, Nutrição e Biologia no projeto.

Com 20 minutos de duração, o documentário percorre as páginas da história do Brasil para fazer referência às diversas iniciativas de descrição da biodiversidade do país; revela o "desmatamento brutal" ao longo dos cerca de 1.400 quilômetros da Estrada Real, caminho que começou a ser aberto pelos bandeirantes, no início da colonização, em busca de ouro e pedras preciosas; entrevista raizeiros que atuam na região; e destaca cinco espécies de plantas nativas conhecidas por suas propriedades medicinais.

O documentário cita texto, lamentavelmente atual, assinado pelo botânico francês Auguste Saint-Hilaire, quando de sua vinda ao Brasil, em 1816: "Diariamente, árvores preciosas caem sem utilidade sob o machado do lavrador imprevidente. É possível que no meio de tantos e repetidos incêndios tenham desaparecido muitas espécies úteis às artes e à medicina".

Maria das Graças Lins Brandão explica que, além do desmatamento, outros dois fatores se somaram para gerar os problemas detectados pela equipe de pesquisadores: a entrada no país de plantas nativas de vários pontos do planeta, desde os primeiros tempos da colonização, e a instalação das indústrias farmacêuticas multinacionais, na década de 1950.

"A indústria impôs o uso de medicamentos sintéticos, o que causou a retirada, da prática médica, de produtos provenientes das plantas", explica a coordenadora.

Segundo ela, os raizeiros que ainda estão em atividade têm mais de 60 anos. "Eles nasceram na década de 1940, antes da chegada da indústria farmacêutica. De lá para cá, há um vazio de 50 anos em que esses conhecimentos deixaram de ser repassados", lamenta.

Ela explica que a fitoterapia hoje utilizada baseia-se em plantas nativas de outros continentes.

Raizeiros

A produção do documentário Plantas medicinais, um saber ameaçado é parte de projeto que começou em 2004, com viagem a 150 municípios mineiros, no trajeto da Estrada Real.

A partir de lista de 27 espécies de plantas, escolhidas entre as identificadas pelos naturalistas do século 19, equipe formada por pesquisadores da UFMG, UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rey) e UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri) pôs o pé na estrada e iniciou o trabalho de campo.

Em cada local, os pesquisadores procuravam os detentores desse conhecimento centenário: os raizeiros.

De acordo com a professora Maria das Graças, o que sobrou da medicina tradicional à base de plantas nativas deve-se à transmissão de conhecimentos entre avós, pais e netos.

"O convívio entre gerações é a principal forma de transferência", conta.

Nos depoimentos do documentário, diversos raizeiros contam, com amargura, que seus filhos e netos não quiseram aprender sobre as plantas, rejeitando a possibilidade de dar continuidade ao ofício.

Na contramão desse movimento, o Grupo de Estudos e Pesquisas de Plantas Aromáticas, Medicinais e Tóxicas (Geplamt), da Faculdade de Farmácia da UFMG, coordenado pela professora Maria das Graças Lins Brandão, estimula o interesse pelas plantas entre os futuros farmacêuticos, nutricionistas e biólogos.

"Se os filhos dos raizeiros não querem este saber, nossos alunos querem", afirma a professora.

O esforço de preservação não se limita aos estudantes de Farmácia. A distribuição do documentário entre as escolas públicas e unidades de conservação ambiental localizadas ao longo da Estrada Real e nos parques da Região Metropolitana de Belo Horizonte tem por objetivo despertar na população o interesse pelo tema.

"O Geplamt vai treinar funcionários dos parques, para que, além de exibir o vídeo, possam esclarecer o público", conta Maria das Graças Lins Brandão.

O Grupo também está organizando programação com horários definidos para exibição do documentário no Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, aliada a visitas monitoradas à mata e à horta de plantas medicinais.


Data: 07/03/2007