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Caatinga no Sudeste

Novos sinais de aquecimento global ameaçam reduzir inverno e afetar agricultura

Uma paisagem típica da caatinga nordestina pode se tornar mais comum no Sudeste do país até o fim do século em razão das mudanças climáticas em curso.

A temperatura mínima tende a aumentar até 4 graus Celsius, levando praticamente ao fim do inverno tal como o conhecemos em várias áreas da região, segundo aponta um estudo realizado em Minas Gerais pelo Departamento de Agrometeorologia da Embrapa.

O estudo foi feito na cidade de Sete Lagoas, onde a Embrapa mantém uma das mais antigas estações de medição de temperatura. Funcionando desde 1926, a estação é uma das poucas do país a ter séries históricas de temperatura por 80 anos ininterruptamente.

Embora o estudo seja local, os pesquisadores envolvidos acreditam que seus resultados indicam uma tendência para o Sudeste do país.

Clima em mutação

Os
cientistas estimam que a temperatura média da cidade deve aumentar em 1,9 grau Celsius até o fim do século. O aumento das temperaturas máximas é menor, 1 grau. Mas o que mais chamou a atenção foi a elevação da temperatura mínima em 4 graus Celsius.

"Isso quer dizer que o inverno é muito reduzido", afirma Daniel Pereira Guimarães, um dos autores do estudo, juntamente com Luiz Marcelo Aguiar Sans.

"Já em 2020, o clima será parecido com o de Montes Claros, 300 quilômetros ao norte, no semiaacute;rido. O clima hoje em Sete Lagoas é típico de cerrado."

Ou seja, o que o estudo mostra é uma expansão do semi-árido, da caatinga.

Segundo o cientista, de forma geral, quase todas as cidades do Sudeste e do Sul do Brasil apresentam uma tendência de aumento das temperaturas. No Nordeste os dados não são conclusivos.

Alterações no inverno do Sudeste podem levar a graves conseqüências para a agricultura, principal foco das medições climáticas realizadas pela Embrapa. A evaporação maior de água e o ressecamento dos solos alteram consideravelmente os cultivos, favorecendo aqueles típicos de regiões mais secas do Nordeste.

"Pode haver queda e instabilidade da produção, o fim de determinados cultivos naquela região, e o aumento das pragas", enumera o cientista.

Segundo Guimarães, o inverno é considerado "profilático" pelos especialistas em agricultura porque o frio reduz muito a incidência de fungos, bactérias e insetos nos cultivos.

"O inverno funciona como uma barreira sanitária. Com o calor, aumenta a velocidade de proliferação de pragas agrícolas."

Guimarães afirma que efeitos dessas alterações climáticas na região poderão ser sentidos este ano, com uma estiagem atípica.

"O que tivemos este ano em toda a região Sudeste, com exceção de São Paulo, foi chuva em excesso em dezembro e janeiro, mas seca praticamente desde a segunda quinzena de fevereiro até hoje, enquanto o esperado era termos chuva até abril", aponta o pesquisador.

"Em Sete Lagoas, esperava-se que chovesse 180 milímetros em fevereiro, mas o número registrado foi 80 milímetros."

Diante desse quadro, observa o pesquisador, a previsão é de um inverno muito seco e muito quente este ano.

"A expectativa é de termos uma estiagem parecida com a do Nordeste, oito meses de seca", diz. "Só deve voltar a chover significativamente em outubro."

Aumento das queimadas

No entanto, como choveu muito em dezembro e janeiro, a safra deste ano do Sudeste não será prejudicada. Pelo contrário, deverá bater recorde na produção de grãos.

"Mas com o prolongamento da seca, as pastagens vão sofrer muito e o período de queimadas será maior do que o normal. Em vez de começar em agosto, já deverá ter início em maio", afirma o cientista.

Para agravar ainda mais a situação, com a chuva do início do ano o capim cresceu muito e ainda se encontra parcialmente verde, o que tende a gerar mais fumaça.

"Para a poluição atmosférica é uma má notícia", alerta. "Precisamos evitar as queimadas a todo custo."

Para Guimarães, tais fenômenos estão relacionados a uma tendência de maior instabilidade climática gerada pelo aquecimento global.


Data: 21/03/2007