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Sem ônus, sem prova

Em coletânea de artigos, cientistas expõem teses nas quais acreditam, mas que admitem não podem provar

 

O que move legiões de cientistas a trabalhar numa empreitada de pesquisa baseada em especulação?

 

Enquanto a comunidade de psicólogos cognitivos se divide entre times que trabalham para tentar provar diferentes teorias da consciência, centenas de físicos dedicam suas vidas a uma teoria (ainda) insondável, segundo a qual os componentes fundamentais da matéria e da energia não são partículas mas sim pequenas cordas vibrando.

 

É à especulação, afinal, que os cientistas se apegam enquanto suas ferramentas não conseguem produzir as evidências de que precisam.

 

Mas, apesar de a divagação livre ser uma parte essencial da atividade científica empírica -é preciso especular algo para poder testar-, pedir a um cientista para pisar a fronteira nebulosa entre o palpite e a certeza é sempre delicado. Muitas vezes isso é mesmo um tabu.

 

Esse é o tema escolhido pelo escritor John Brockman para reunir a coletânea de artigos "What We Believe But Cannot Prove" (Aquilo em que Acreditamos Mas Não Podemos Provar), lançada no ano passado.

 

Brockman é um dos mentores do site Edge (http://www.edge.org), um fórum com textos diários que reúne pelo menos uma centena dos intelectuais mais respeitados dos Estados Unidos e de outros países.

 

No projeto, uma comunidade de cientistas que inclui vários Prêmios Nobel e autores de divulgação científica premiados debatem o destino da ciência.

 

Pode-se dizer que o Edge, que completa dez anos agora, é um espaço "seguro" para cutucar a casa de marimbondos da especulação. Lá se pode ler artigos livres, isentos do ônus da prova e de notas bibliográficas, sem o risco de encontrar relatos sobre discos voadores ou teorias quânticas da mente.

 

Em 2005, Brockman enviou a vários intelectuais (a maioria cientistas) uma proposta coletiva de artigo formulada pelo psicólogo Nicholas Humphrey. O convite dizia: "Grandes mentes às vezes podem adivinhar a verdade antes de terem evidências ou argumentos para tal. (Diderot chamou isso de "esprit de divination".) O que você acredita que seja verdade, mesmo que não possa provar?"

 

Mais de uma centena de convidados ilustres respondeu, e o projeto resultou no livro lançado em 2006. Os artigos discutem problemas das áreas da ciência de ponta que têm recebido mais atenção -genética, evolução, ciência da informação, neurofisiologia, psicologia e física- além da filosofia que incendeia todas elas, é claro.

 

Entropia acadêmica

 

Se alguém esperava que o ataque de um exército de pesos-pesados acadêmicos poderá determinar à força o futuro da ciência, porém, nada pode ser mais desorientador do que a coletânea de Brockman.

 

No campo da teoria da mente, enquanto um artigo do cientista cognitivo Joseph Ledoux defende que a consciência existe em animais tidos como irracionais, outro, de Humphrey (um dos idealizadores do livro) especula que ela simplesmente não existe -nem em humanos.

 

"É um truque enganador, projetado para nos fazer pensar que estamos na presença de um mistério enganador", diz. Será?

 

Em alguns artigos, autores relatam decepção com o ceticismo de colegas. É o caso de Susan Blackmore, da Universidade de Bristol, que diz ter atingido um estado da mente no qual se livrou da sensação de agir por livre arbítrio. "Mas o que acontece? As pessoas dizem que eu estou mentindo!".

 

Crenças como a de Blackmore, talvez não-prováveis já em sua formulação, também permeiam a física. Carlo Rovelli, do Centro de Física Teórica de Marselha, diz que o tempo é uma entidade que não existe, "reflexo da nossa ignorância".

 

Demonstrações de humildade no livro, faça-se justiça, vêm quase todas da física. O teórico israelense Haim Harari, por exemplo, acredita que o elétron e outras partículas fundamentais não são "elementares" e devem ser quebráveis.

 

"O átomo, o núcleo atômico e o próton eram considerados elementares (...) mas foram subdivididos mais tarde", diz. "Como podemos ser arrogantes a ponto de excluir a possibilidade de que isso aconteça de novo?"

 

"What We Believe But Cannot Prove", afinal, não é uma obra que indique alguma tendência geral da história da ciência para o século 21. Mas é um bom panorama sobre as questões que hoje tiram o sono de cientistas de primeira linha.


Data: 02/04/2007