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Pressão de políticos suaviza relatório do IPCC

Pesquisadores e ONGs criticam mudanças no texto final, impostas por governos; savanização da Amazônia some de tabela. Polêmica sobre grau de confiança das projeções de extinção de espécies vira motivo de protesto formal de cientistas americanos

"É bem conhecida a dicotomia entre ciência e política. Cada governo tem necessidades e interesses próprios."

A frase, do argentino Osvaldo Canziani, co-presidente do Grupo de Trabalho 2 do IPCC, resume o intenso conflito entre cientistas e representantes de governos que se viu durante essa reunião em Bruxelas.

A transformação do calhamaço de evidências científicas que é o sumário técnico em um resumo de poucas páginas voltado aos formuladores de políticas públicas nunca é um processo rápido e tranqüilo, já que cada governo tenta incluir ou retirar dados e declarações de acordo com seus interesses.

Mas o que se viu ontem foi uma rebelião armada por um grupo de cientistas após mais de 24 horas seguidas de discussão, durante as quais alguns países -notadamente a China, a Rússia e a Arábia Saudita- tentaram "diluir" as afirmações contidas no sumário final.

Cientistas como os norte-americanos Cynthia Rosenzweig, da NASA, registraram objeções oficiais, afirmando que o sumário desqualificava a ciência ao retirar alguns dados.

A principal polêmica ficou centrada no material que ligava a emissão de gases-estufa aos impactos do aquecimento global, mas projeções sobre extinção de espécies e alguns cenários de mudanças nos sistemas hídricos também caíram.

Os chineses acabaram conseguindo que a expressão "confiança muito alta", usada para qualificar o grau de certeza da afirmação de que o aquecimento já está afetando sistemas naturais, fosse cortada do texto.

Antes disso, já se havia trocado a expressão "alto risco" por "risco aumentado" para se referir à ameaça de extinção de até 30% das espécies.

"Tivemos de derrubar parte do material porque não houve tempo para lidar com ele", disse Martin Parry, o outro co-presidente do grupo 2 do IPCC.

"Algumas mensagens foram perdidas, não cobrimos alguns aspectos por falta de tempo ou de concordância, mas não acho correto dizer que a mensagem geral se perdeu ou foi diluída."

Ambientalistas que acompanharam a reunião também criticaram o resultado final.

"Esse sumário não é mais para os "policymakers", é dos "policymakers'", afirmou Lara Hansen, do WWF.

"Houve um cuidado maior dos negociadores na hora de selecionar a linguagem adotada nesse relatório, porque ele está em grande evidência", disse Karen Suassuna, técnica de mudanças climáticas do WWF Brasil, que estava em Bruxelas.

"Qualquer
coisa muito clara que saia daqui vai exigir ações à altura, e são os Estados que terão de responder."

Amazônia

Também foi cortada do texto final a referência à savanização (conversão em cerrado) de cerca de 20% da floresta amazônica com um aumento de até 2,5C na temperatura do planeta, e à extinção prevista de 45% das árvores amazônicas com 5C de aquecimento.

A supressão teria sido feita a pedido de países ricos, devido ao grau de confiabilidade "médio" da projeção. A menção foi mantida, sem números, em outra parte do sumário.

O físico Paulo Artaxo, da USP, membro do grupo 1 do IPCC, não condenou o corte.

"No caso da Amazônia, há dois processos concorrendo na destruição. O primeiro, a ocupação desordenada, ninguém sabe como vai evoluir nos próximos 30 anos. Esse processo compete com a destruição da floresta pelas mudanças climáticas. É impossível o relatório dizer que vai haver 20%, 30% ou 40% de destruição da Amazônia."


Data: 09/04/2007