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Opinião - Uma fala admirável e preocupante

José Edílson de Amorim

Professor da Unidade Acadêmica de Letras e Vice-reitor

 

Uma semana após o Seminário comemorativo dos cinco anos da UFCG, Promovido pela Reitoria, o Centro de Humanidades oferece uma contribuição muito boa ao debate para avaliar a expansão das universidades brasileiras promovida pelo governo federal – o seminário da Administração Central se realizou em 10 e 11 de abril; o debate do CH em 18 do mesmo mês.

 

Desse debate, participou a Professora Ana Montoia, da UFPB, com uma exposição sobre as políticas do governo para as universidades e o atual processo de expansão.

 

Causou-me a melhor impressão a fala da professora – sua verbalização clara e segura, seu gesto sóbrio e preciso, seu olhar, expressivamente dirigido às pessoas, compuseram a certeza que suas colocações trazem de si mesmas e o tom convincente de sua exposição.

 

Causou-me espanto, porém, a análise que a professora Ana Montoia fez do processo atual de expansão das IFES. Para a professora, a universidade é o lugar do mérito e não do privilégio. Nada mais correto. Ocorre que essa formulação de princípio nada tem a ver, diretamente, com o processo de expansão das IFES ora em curso.

 

Pela dimensão das carências, as cidades ou regiões contempladas com novas estruturas do ensino superior não o foram por privilégio, mas por necessidade (veja-se o grande número de jovens que estão fora das universidades, por um lado, e, por outro, o crescente número de faculdades particulares criadas nas duas últimas décadas).

 

Ademais, o mérito não é um valor em si, não é uma competência que se auto-exerce. É um atributo socialmente permeado e, portanto, situado historicamente. Se o privilégio solapa o universalismo de oportunidades, o mérito corre o risco de desvios e de esvaziamento, constituindo-se em formalismo meritocrata. O primeiro deve ser banido das relações sociais; o segundo deve ser constantemente revisto.

 

É certo que a universidade, por si só, não é uma agência promotora de desenvolvimento econômico; nem deve substituir as políticas do governo no campo social. É impensável, no entanto, planejar desenvolvimento sem um sistema de educação superior com presença significativa.

 

Ocorre que a análise da professora Ana Montoia atribui à universidade uma responsabilidade ainda maior do que a de ser instrumento indutor de desenvolvimento; uma responsabilidade que é de toda a sociedade – para a professora, a universidade é o fundamento da democracia.

 

Nesse caso, teríamos uma sociedade meritocrática em que a periferia giraria em torno do centro, no qual estariam os doutos da universidade, e no seu ritmo. Uma universidade assim subsumiria a sociedade, já que tornaria norma a presunção de que é ela a própria sociedade tomando consciência de si mesma. Ao meu juízo, isso é uma pretensão que não encontra apoio na experiência histórica.

 

Isso seria entender a universidade como o locus único da formação e do saber. O que não esconde o laivo elitista da análise, a qual, no limite, quer a universidade do tamanho que está para, no cadinho dos seus próprios critérios, afirmar sua diferença (para não dizer superioridade) frente à população que não sabe escolher dirigentes de mérito.

 

Penso que, nesse passo, a universidade estaria cada vez mais se distanciando das demais instituições sociais, convertendo autonomia em isolamento e, portanto, perdendo a oportunidade de avançar no entendimento e no fortalecimento dessa mesma autonomia.

 

Entendo que a autonomia universitária carece de um fundamento prático que a relativiza – a universidade não gera seus próprios recursos; disputa os recursos da sociedade alocados no estado e administrados pelo governo.

 

Essa contingência redobra nossa responsabilidade na exigência de regras claras de financiamento público para a instituição universitária, sendo este o caminho pelo qual podemos fortalecer a prática da autonomia na gestão universitária e na concepção acadêmica.

 

A avaliação histórica que a professora faz identifica erros e omissões imperdoáveis nas políticas do MEC ao longo de vários governos. A desconfiança que esses erros provocaram leva a professora a enxergar no atual processo de expansão das universidades o mais recente dos malefícios praticados contra a educação superior. Vejo algum exagero nessa percepção.

 

A expansão é necessária, além de tornar cada vez mais claro que o sistema federal de ensino superior carece de amadurecimento e de consolidação. O atual processo de expansão começa a propiciar um momento privilegiado para o melhor aproveitamento da reflexão crítica acumulada ao longo dos mais de vinte anos de debate da educação brasileira após o regime militar.

 

Como a análise da professora Ana Montoia não é ingênua, não estamos tratando, portanto, de um discurso trivial de esquerda concebido para uma conjuntura marcada e para um público paroquial. Sendo assim, o peso exagerado da crítica dirigida à expansão me pareceu uma fala colada, pelo menos a quatro mãos, com o propósito de caracterizar a expansão da UFCG como uma aventura voluntarista de sua gestão. Esse propósito é responsável pelo único senão que vejo na elocução da professora – sua ênfase temperadamente caricatural.

 

Mas o mais preocupante, na análise da professora Ana Montoia, é a revelação, no meu entendimento, de uma impertinente resistência à mudança que, paradoxalmente, alguns setores progressistas cultivam.

 

Talvez as pessoas tenham medo dos deslocamentos nos espaços de prestígio que seu pensamento, já instalado, venha a sofrer com o crescimento da instituição e o advento de novas tribos.

 

Isso não é bom. Isso permite entender que a educação superior deixou de ser uma demanda da sociedade para se converter em uma reserva de suas elites intelectuais assim autonomeadas.

 

No mais, adianto que não tive acesso ao texto lido pela professora Ana Montoia embora o tenha solicitado a mais de uma pessoa – inclusive, à própria palestrante; essas reflexões, portanto, são resultados do que ouvi. Peço desculpas pelos desvios ou pela má interpretação que possa ter feito das palavras da professora.


Data: 11/06/2007