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Universitários acham que seus cursos exigem pouco

Resultado está nos questionários socioeconômicos do Enade, que avalia ensino superior. Estudantes, na maioria das áreas, lêem menos de dois livros por ano e não falam inglês; futuros médicos são os que mais horas estudam

 

Os universitários brasileiros, na maioria das áreas, lêem menos de dois livros por ano, informam-se principalmente pela televisão, não falam inglês e consideram que o curso poderia ter exigido mais deles. Esse é o quadro que surge quando são analisadas as respostas nos questionários socioeconômicos dos formandos que participaram do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes). Com a terceira edição do exame (que substituiu o provão), já é possível comparar o perfil de alunos das 48 carreiras avaliadas.

 

A insatisfação com o nível de exigência apareceu com destaque em 29 das 48 áreas. Nessas 29 carreiras, mais da metade dos estudantes afirmaram que o curso deveria ter exigido um pouco ou muito mais deles.

 

Pelos questionários, é possível avaliar também em que cursos os alunos mais se dedicam. Os futuros médicos são, disparados, os que mais estudam além do horário das aulas, com 41% gastando mais de oito horas semanais com a atividade.

 

A carga de estudos puxada diminui o tempo livre dos alunos para lerem outros livros que não façam parte dos exigidos pelo curso. É da medicina o maior percentual de estudantes que leram apenas dois, um ou nenhum livro no ano (66%).

 

A cor e a renda média familiar variam entre os cursos. Apenas no de formação de professores a maioria declarou ser negra, parda ou mulata (categorias do questionário). Os cursos em que é menor a presença de autodeclarados negros, pardos e mulatos foram os de engenharia e os da área médica.

 

Os dados de renda são praticamente iguais aos de cor. Novamente, os cursos voltados para a formação de professores se destacam como os que têm a maior proporção de alunos de menor renda. No outro extremo, foram também as engenharias e os cursos das áreas médicas -acrescidos de computação e arquitetura- que apresentaram menor presença de estudantes mais pobres.

 

A maior proporção de negros e pobres nos cursos de formação de professor e a pequena presença deles nas áreas médicas e de engenharia têm forte correlação com o grau de dificuldade para entrar nos cursos e acaba tendo reflexo também no rendimento salarial futuro.

 

Medicina e engenharia, onde a relação candidato/vaga é quase sempre maior do que nas áreas de formação de professores, são também os cursos que trazem mais retorno financeiro.

 

Segundo uma pesquisa feita pelo Observatório Universitário a partir do Censo 2000 do IBGE, de 20 áreas comparadas, os trabalhadores que se formaram em medicina e engenharia apresentavam maior rendimento médio: R$ 6.706 e R$ 5.731, respectivamente. Com menor rendimento, apareceram os trabalhadores formados em pedagogia (R$ 1.794) e educação física (R$ 2.172).

 

Formação de docente atrai mais aluno pobre

Fato ajuda na democratização do ensino superior, mas gera discussão entre especialistas sobre qualidade da educação

 

A maior presença de alunos mais pobres na área de formação de professores mostra que esses cursos têm desempenhado um papel importante na democratização do ensino superior, mas leva também a uma discussão a respeito da qualidade da educação.

 

Guiomar Namo de Mello, que já foi secretária municipal de Educação em São Paulo e membro do Conselho Nacional de Educação, lamenta que os cursos para professores não atraiam alunos de maior nível socioeconômico.

 

"Professores com pouca base vão formar mal alunos na educação básica. Esses estudantes mal formados terão chances de entrar no ensino superior somente nos cursos menos competitivos, o que cria um círculo vicioso." Na sua avaliação, para reverter o quadro, não basta melhorar salários para que a profissão volte a atrair, no futuro, profissionais de nível socioeconômico mais elevado.

 

Ela sugere que as secretarias de Educação criem sistemas de certificação de competências e que os cursos, antes de entrar nas disciplinas de preparação para o magistério, façam aulas de reforço da formação básica.

 

"Um professor que dará aulas de primeira à quarta série não pode estudar só pedagogia e ser uma analfabeto em matemática. Além disso, ele precisa também ter clareza do que se espera dele. Um bom sistema de certificação de competências pode ajudar nesse diagnóstico e ajudar a corrigir suas falhas."

A presidente da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, Márcia Aguiar, avalia que o perfil dos estudantes de cursos que formam professores é um reflexo da falta de uma política nacional para valorizar o magistério.

 

Para ela, é preciso aprovar um piso salarial nacional e um plano de carreira que sejam atrativos. A pesquisadora sugere também o aumento de vagas em licenciaturas em instituições públicas; maior investimento em bolsas estudantis, laboratórios e bibliotecas; e o estabelecimento de uma política de formação continuada articulada à formação inicial.

 

O economista Gustavo Ioschpe, autor do livro "A Ignorância Custa um Mundo", discorda de Aguiar. Ele afirma que o foco deve estar na reformulação dos currículos nos cursos de formação de professores, e não no aumento de salários. "Há dezenas de estudos que demonstram não haver relação entre o salário do professor e a qualidade do ensino."

 

"Os profissionais tendem a buscar carreiras com remuneração melhor e mais correlacionada à sua performance. Isso não ocorre no magistério, onde os aumentos salariais ocorrem por senioridade."

Ioschpe diz também que a queda do perfil socioeconômico do professor é um fenômeno internacional e está relacionado à emancipação feminina.

 

"Uma das poucas profissões que as mulheres de alto nível socioeconômico podiam seguir era justamente o magistério, o que dava a essa carreira profissionais muito competentes. Atualmente, no entanto, várias das mulheres desse grupo optam por outras áreas, como direito, medicina e jornalismo."

 

O economista sugere que o mais importante é melhorar a qualidade dos cursos de formação de professores, dando ênfase a práticas em sala de aula, como a aplicação de dever de casa, boa utilização do livro didático, avaliações constantes e uso eficiente do tempo em classe.

 

"Essas práticas, que têm resultados comprovados na melhoria do desempenho do alunado, não só não são ensinadas, como são vistas com grandes ressalvas por questões pseudo-ideológicas."

 

(Folha de SP)


Data: 09/07/2007