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Governo quer fundação para gerenciar saúde

Projeto de lei enviado ao Congresso permite contratação sob regras do setor privado, retirando, por exemplo, a estabilidade. Regra valeria para hospitais e outras áreas, como TV pública, C&T e previdência complementar de servidores públicos

O governo federal quer flexibilizar relações trabalhistas e regras de licitação em nove setores da administração pública, retirando, por exemplo, a estabilidade no emprego. A proposta foi enviada por meio de projeto de lei ao Congresso.

Ela abre caminho para regulamentar a administração de setores do Estado por meio de fundações de direito privado sem fins lucrativos. A regra valeria para hospitais e outras áreas como a TV pública, ciência e tecnologia e previdência complementar de servidores -em todos os casos, serviços não-exclusivos do Estado.

O projeto enfrenta resistência de sindicatos e de outros setores da área de saúde, pois permite a contratação de funcionários públicos sob regras do setor privado -retirando deles direitos tipicamente associados ao serviço público, como estabilidade.

Por outro lado, os contratados das fundações, que terão autonomia gerencial e orçamentária, não ficam submetidos ao teto salarial.

O governo argumenta que a mudança dará agilidade à gestão pública e irá premiar o servidor com bom desempenho.

As compras terão de obedecer à legislação sobre licitações públicas na contratação de serviços e compras de equipamentos. A fundação, porém, poderá editar regulamento próprio, com regras mais flexíveis.

"É preciso responder com rapidez na hora da compra de um equipamento ou da contratação de um especialista", afirmou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Após a votação da proposta pelo Congresso, o governo enviará projeto de lei específico para a criação de fundações para os hospitais.

A princípio, a proposta valeria para os dez que, hoje, são subordinados ao Ministério da Saúde -nove no Rio e um em Porto Alegre- e para os 48 hospitais universitários de instituições federais, mas poderá ser adotada também por Estados e municípios, totalizando cerca de 2.500 unidades.

Na semana passada, representantes do Consad (Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração) encontraram-se com o ministro José Gomes Temporão para manifestar seu apoio à idéia.

Na ocasião, Sidney Beraldo, secretário de Gestão de São Paulo, disse que a fundação estatal tem a simpatia do governo paulista, uma vez que eliminaria os questionamentos jurídicos à administração dos hospitais por meio das organizações sociais, que já detêm a gerência de alguns estabelecimentos de saúde no Estado.

Pela proposta do governo federal, enviada anteontem ao Congresso, o repasse de recursos às fundações estatais fica condicionado ao cumprimento de determinadas metas de gestão -nos hospitais públicos, isso corresponde a um determinado número de atendimentos e internações, por exemplo.

Os novos funcionários seriam contratados por meio de concurso público, mas em regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que vale para o setor privado. Parte da remuneração do servidor ficaria atrelada ao desempenho do estabelecimento de saúde, que só poderá atender pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Para os funcionários públicos que já ingressaram na carreira, não haverá mudança.

Caso a proposta seja aprovada, o governo teria ainda de elaborar outros projetos de lei específicos para criar fundações para cada hospital ou conjunto de hospitais.

Temporão e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, rebateram os ataques dos críticos à proposta, que vêem nela um caráter "privatista". "É um contra-senso. O próprio nome diz que a fundação é do Estado", afirmou o ministro Temporão.

Paulo Bernardo afirmou ainda que a lei complementar terminaria com "verdadeiras gambiarras" que, hoje, os hospitais universitários utilizam para contratar funcionários por meio de fundações de apoio privadas.

Conselho de saúde ataca "terceirização" e já cogita entrar com ação no STF

O presidente do CNS (Conselho Nacional de Saúde), Francisco Batista Júnior, afirmou ontem que, caso a entidade não consiga derrubar no Congresso o projeto de lei de criação de fundações estatais para gerir serviços públicos, irá entrar com uma ação de inconstitucionalidade contra a lei no STF (Supremo Tribunal Federal).

Júnior afirma que a proposta "terceiriza" a administração dos hospitais e não resolve os problemas que ele reconhece existir no SUS (Sistema Único de Saúde). Isso porque, para ele, as fundações também teriam vícios, como a indicação política de administradores e a má gestão de recursos públicos.

Ele classificou ainda como um "profundo desrespeito com o controle social" a elaboração da proposta sem que o conselho tenha sido ouvido. No último dia 14, os conselheiros rejeitaram a proposta do governo. O ministro afirmou que a crítica era precipitada.

Anteontem, dia em que o projeto foi enviado ao Congresso, Temporão foi a uma reunião do conselho, mas não mencionou o envio do projeto.

Jovita Rosa, diretora da Unasus (União Nacional dos Auditores do SUS), também criticou o projeto por ele não atacar o que ela considera como os principais problemas do SUS: a falta de um plano de carreira e a má remuneração dos servidores.

Presidente da Frente Parlamentar de Saúde, o deputado federal Rafael Guerra (PSDB-MG) também diz acreditar que o projeto do governo não dispõe sobre o principal problema do SUS, que, para ele, é o financiamento. Para Guerra, a proposta terá "um trâmite difícil".


(Folha de SP, 13/7)


Data: 13/07/2007