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Opinião - Edilson Amorim -

Decreto 6.096 (24.04.07) - Reuni - alguma reflexão

 

José Edilson de Amorim

vice-reitor e pró-reitor de Assuntos Comunitários da UFCG

 

Entre as IFES, dezesseis ostentam uma taxa de conclusão acima de 70%; vinte e sete exibem taxa acima de 60%; 43 estão acima de 50%; apenas sete se situam abaixo desse patamar (PingIFES 2005).


Na UFCG, a taxa de evasão (quantidade dos alunos que desistem do curso) e a de retenção (quantidade dos que, por reprovação ou trancamento contínuo, permanecem mais do que o tempo previsto para conclusão) estão, juntas, acima de 50%. Há cursos formando a quase totalidade dos que ingressam e há cursos que não conseguem formar, sequer, a metade dos que neles se matriculam. Esses números indicam uma taxa de conclusão inferior à metade dos alunos ingressantes e nos colocam no último grupo.


É provável que seja essa uma moldura resumida dos cursos de graduação no país. E, como resumo, pode esconder particularidades que o quadro estreito não exibe. Sem dúvida, foram esses números que levaram o MEC a editar o REUNI. Esse decreto contém dois pressupostos: as universidades brasileiras ainda utilizam mal os recursos de que dispõem – pessoal, equipamentos, custeio e capital; ao se avaliarem, as universidades exibem dados e análises diferentes do quadro acima.


Os mesmos números, mais algumas situações de precariedade institucional, de fato existentes nas universidades brasileiras, têm estimulado o debate sobre a qualidade do trabalho acadêmico atual e as possibilidades de melhoria que o sistema universitário público pode oferecer à população.


Entre as constatações desse debate, estão as seguintes: os jovens, para entrar na universidade, fazem opção precoce por uma profissão; as universidades têm formas variadas e confusas de conferir certificados e diplomas; os currículos, extensos e dispersos, há décadas pouco ou nada mudam; a concepção pedagógica elege como ênfase exclusiva do ensino (com foco no professor) o regime de disciplinas, o que pode obliterar outras formas de estudo (com foco no aluno) igualmente importantes. Enfim, constata-se, nas universidades, uma resistência empedernida à mudança, uma resistência calcada em certo discurso trivial presente em falas de viés progressista ou conservador.


Hoje, o debate dessas questões pode ser identificado pelo emblema de universidade nova e assegura retomar as lições de Anísio Teixeira e de Darcy Ribeiro elaboradas entre a década de 30 e a de 60 do século passado.


O decreto do MEC incorpora, com agudo senso de oportunidade, alguma contribuição das últimas discussões, iniciadas em 2005 e ainda em curso, com as propostas formuladas no interior da ANDIFES. O debate e o decreto prometem uma repercussão indescartável, e ainda inestimável, para a revisão do ensino de graduação nas IFES. É importante ressaltar, porém, que O REUNI e a Universidade Nova têm origem próxima, mas são propostas diferentes.


Tendo acompanhado esse debate em outras instituições, tendo tido a oportunidade de falar sobre o decreto, em ocasiões diversas, em nossa universidade, resumo, a seguir, alguma reflexão sobre os mesmos: 


1. O objetivo do decreto exigirá reestruturação de grande proporção nas unidades que trabalham no limite inferior de suas possibilidades.


2. A primeira parte da meta global do decreto (taxa de conclusão de 90%) é peremptória em função do prazo proposto para sua consecução e das condições de infra-estrutura das universidades – o tempo da reestruturação é o mesmo da duração de uma turma.

 

3. A meta poderá levar ao pragmatismo que, favorecido pelas diretrizes, estimularia a concepção de modelos acadêmicos talhados para a certificação prematura (impraticável nas licenciaturas).


4. Isso resultaria em um tipo de mobilidade frustrada, ou seja, um movimento apressado para fora do sistema. Essa certificação estaria mascarando as estatísticas de retenção e de evasão.


5. A ênfase quase exclusiva na mobilidade levaria, então, a uma formação precoce porque incompleta.


6. Penso em: 6.1. Fixação de uma meta mais realista para a taxa de conclusão, estabelecendo-se um ciclo de cinco, sete e nove anos e uma curva de 70%, 80% e 90%, para cada período; 6.2. Distribuição melhor da ênfase, atualmente concentrada, da seguinte forma:

 

      a) na mobilidade – de opção curricular, de reopção por outros cursos, entre instituições. Essa mobilidade diminuiria a evasão.
      b) na avaliação – concebida não como uma etapa cujo corolário seja a aferição que aprova ou reprova, mas como processo de ensino e de formação intensificada. Ou seja, a avaliação adotaria mecanismos específicos, para cada caso de repetência, com preocupação didática voltada para o reforço (as pessoas não se separam de sua experiência vivida como quem larga uma casca; nos jovens, convivem, também, a criança e o adolescente). Isso não é tutela, é pedagogia. Esse processo minimizaria a retenção.
     c) na assistência estudantil ¬– pensada não como auxílio que a instituição doa ao estudante, mas como ferramenta; como equipamento didático-pedagógico tão importante quanto a biblioteca e o laboratório para a manutenção do aluno em condições que lhe propiciem melhor desempenho. Esse redimensionamento repercutiria na retenção e na evasão.


7. A redefinição dessas dimensões pedagógicas – mobilidade e avaliação – e o redimensionamento da infra-estrutura deverão minimizar os problemas sem o recurso arriscado à certificação de uma formação inconclusa, evitando-se, dessa forma, que o aluno faça, em termos de carreira profissional superior, um percurso do nada p’ra lugar nenhum – um percurso que descambaria na distopia em vez de conduzir à protopia.


8. A segunda proposta da meta (proporção de 1 professor para 18 alunos), embora careça de fundamentação, não constitui grande problema, na minha compreensão, se a universidade: a) planejar e adotar iniciativas pedagógicas que permitam monitorar e aproveitar melhor o tempo que o aluno dedica ao curso quando fora da sala de aula; b) revisar a grade curricular de cada curso, revir as disciplinas, sua quantidade e qualidade, e a noção de obrigatoriedade; d) discutir a percepção de que a aprendizagem não deve ser uma prática centrada, apenas, na relação direta do professor com o aluno; d) encarar a resistência à mudança presente à esquerda e à direita.


9. Como sugestão, considero que, no processo de avaliação, devem ser consideradas as seguintes alternativas – entre outras que a experiência acadêmica indicar: plano de estudo focado nos conteúdos em que o aluno tem dificuldades; turma e método especial para repetentes; possibilidade de o aluno cursar a disciplina-problema em outra instituição; reopção de curso; escolha de uma disciplina afim; conversão de optativa em obrigatória; pontuação parcial, com seminários de estudos complementares; experiência pedagógico-científica compensatória, voltada para o ensino médio, para projetos comunitários ou para empresas; programa de tutoria discente (com bolsa para os alunos mais preparados desenvolverem planos de estudo com colegas em dificuldade).


10. Reestruturação: a) saúde e tecnologia: criar cursos de formação tecnológica; b) licenciaturas: creditar atividades de estudo; adotar cotas, revisar métodos e currículos.
Todas as idéias acima precisam ser encaradas dentro de princípios institucionais que as universidades devem estabelecer como forma de preservar sua experiência democrática e seu compromisso social.


No âmbito da Administração Central da UFCG, entende-se que o REUNI tem contribuído para intensificar o debate sobre a qualidade das atividades acadêmicas que a universidade desenvolve. Ao mesmo tempo, este programa estimula a reflexão sobre a oportunidade de ampliação dos serviços que esta instituição presta à comunidade.


Com esse entendimento, e para o melhor aproveitamento desse momento privilegiado da conjuntura educacional, a Administração Central propõe, para as unidades acadêmicas, a discussão deste programa com base em três compromissos institucionais a ser adotado pela UFCG:


1. Compromisso geral: a UFCG tem o dever de oferecer uma “formação ampla e sólida” e criar condições, com recursos humanos e equipamentos, para “aprimorar a qualidade e a quantidade de sua oferta”. Em uma palavra, a UFCG deve “crescer com qualidade”. (1)


2. Compromisso pedagógico:
       a) Como forma de assegurar sua autonomia e sua experiência histórica, a UFCG descarta qualquer forma de certificação prematura e, portanto, de qualquer modalidade de formação incompleta como o Bacharelado Interdisciplinar (BI) ou o Bacharelado em Grandes Áreas (BGA). Com isto, afirma sua decisão de adotar a diplomação, com processo formativo completo, nas modalidades de Curso Superior de Tecnologia, Licenciatura e Bacharelado.
       b)  Como forma de aproveitar melhor as etapas fundamentais de formação acadêmica, a UFCG precisa discutir a incorporação, aos projetos pedagógicos dos seus cursos, de créditos para as etapas de – conclusão de disciplinas, participação em programas institucionais, participação em eventos acadêmicos, participação em outras modalidades de estudo.


3. Compromisso social: nesta dimensão, a UFCG deve assumir políticas de inclusão (acolhimento de portadores de necessidades especiais; fixação de quotas); programas de assistência estudantil e políticas de extensão universitária. Para tanto, a administração deve dimensionar os recursos necessários ao atendimento da reestruturação e da ampliação contidas na proposta da instituição.


Com os compromissos acima, busca-se avançar no debate com vistas à formulação, a partir dos Centros, da proposta institucional da UFCG a ser apresentada ao MEC em outubro deste ano.
 
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(1) As duas primeiras expressões estão, respectivamente, nas páginas 5 e 22 das Diretrizes Gerais do REUNI. A terceira expressão faz parte do pronunciamento do Professor Lemuel Guerra, Diretor do CH, em reunião do CTA realizada em 20/08/2007.

  
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Data: 22/08/2007