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Aluno a distância vai melhor no Enade

Em 7 de 13 áreas onde comparação é possível no ensino superior, alunos de curso a distância superam demais estudantes. Levantamento do exame nacional mostra que vantagem nos primeiros anos de curso é ainda maior: 9 entre 13 áreas de ensino

 

A educação a distância, no Brasil, ainda é vista com desconfiança por boa parte da sociedade. Os primeiros resultados no Enade (exame do MEC que avalia o ensino superior) dos alunos que ingressaram em cursos superiores com essa modalidade de ensino, no entanto, mostram que, na maioria das áreas, eles estão se saindo melhor do que os estudantes que fazem o mesmo curso, mas da maneira tradicional.

 

Pela primeira vez desde a criação do Enade (2004), o Inep (órgão de avaliação e pesquisa do MEC) comparou o desempenho dos alunos dos mesmos cursos nas modalidades a distância e presencial. Em sete das 13 áreas onde essa comparação é possível, alunos da modalidade a distância se saíram melhores do que os demais.

 

Quando a análise é feita apenas levando em conta os alunos que ainda estão na fase inicial do curso -o Enade permite separar o desempenho de ingressantes e concluintes-, o quadro é ainda mais favorável ao ensino a distância: em nove das 13 áreas o resultado foi melhor.


Nesses casos, turismo e ciências sociais apresentaram a maior vantagem favorável aos cursos a distância. Geografia e história foram os cursos em que o ensino presencial apresentou melhor desempenho.

 

A análise só dos concluintes ainda é limitada porque apenas quatro áreas de nível superior -administração, formação de professores, matemática e pedagogia- já têm concluintes em número suficiente para que seja tirada uma média e comparada com a dos demais.


Entre os concluintes, o melhor desempenho para estudantes a distância foi verificado em administração e matemática, enquanto em pedagogia e formação de professores o resultado foi inverso.

 

Apesar de bem aceita em outros países, a educação a distância -em que a maior parte do curso não é realizada em sala de aula, com um professor- ainda não deslanchou no Brasil.


Quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, sinalizou o incentivo dessa modalidade -regulamentada dois anos depois pelo governo federal- alguns especialistas esperavam um crescimento acelerado, afinal, o Brasil tinha -e ainda tem- uma imensa população sem nível superior espalhada por um território vasto.

 

Não foi isso, porém, o que aconteceu. Segundo o último Censo da Educação Superior do MEC, relativo a 2005, havia apenas 115 mil alunos matriculados em cursos de graduação a distância -o total de universitários foi de 4,5 milhões.

 

O censo mostra que os cursos despertam pouco interesse. Em 2005, foram oferecidas 423 mil vagas, mas apenas 234 mil estudantes se inscreveram em processos seletivos e, desses, somente 127 mil efetivamente ingressaram nos cursos.

 

Fogo cruzado

 

"Apesar das inúmeras experiências bem-sucedidas em outros países, o ensino a distância continua sob fogo cruzado no Brasil, com o argumento de que vai piorar a qualidade. Alguns até reconhecem o seu efeito democratizante, mas temem que traga ainda mais dificuldades a um sistema educacional com problemas. Os dois últimos Enades, no entanto, mostram que este temor é injustificado", avalia o diretor de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior, Dilvo Ristoff.

 

A educação a distância é uma das principais apostas do Ministério da Educação na área de formação de professores.

 

Inspirado num programa iniciado há seis anos pelo governo do Rio, o MEC criou a UAB (Universidade Aberta do Brasil), que funcionará como um consórcio formado por universidades e centros federais que oferecerão cursos a distância.

 

O secretário de Educação a Distância do MEC, Carlos Eduardo Bielschowsky, diz que o foco na formação de professores nos primeiros cursos oferecidos pela UAB acontece não por uma limitação do curso a distância, mas sim para atender a uma demanda não atendida. "É possível estender a outras áreas, desde que não se abra mão da qualidade."

 

Estudantes adeptos da modalidade afirmam que cobranças são grandes

 

Alunos que estudaram a distância contam que é preciso disciplina e organização para tirar boas notas. Como não há professores diariamente em sala de aula para explicar cada matéria, é preciso não deixar a leitura e as dúvidas acumularem para as vésperas das provas, feitas sempre na presença de um inspetor ou docente.

 

Maica Gonçalves, 29, por exemplo, cursa Biologia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) por meio do Cederj, consórcio criado pelo governo do Estado do Rio com a participação das seis universidades públicas do Estado. Ela diz que escolheu o curso não por falta de opção de cursos presenciais, mas, sim, por falta de disponibilidade para freqüentar diariamente as aulas de um curso tradicional.

 

Ela diz que, em sua decisão, pesou também o fato de o diploma vir com a chancela da UFRJ. "Não é fácil como muitas pessoas pensam. Acho até que eles cobram mais do que num curso presencial. Também não dá para deixar as dúvidas acumularem. A gente pode tirar as dúvidas por telefone, por e-mail ou com tutores que nos ajudam nos pólos do consórcio. Mas não é como uma aula tradicional, em que o professor explica e nós escutamos. A gente leva as dúvidas e eles [os tutores] nos ajudam."

 

Silvio Figueiredo Júnior, 36, que se formou em 2005 em matemática pela UFF (Universidade Federal Fluminense) por meio do Cederj, também diz acreditar que o curso a distância é mais puxado do que o presencial: "Já tinha feito um curso presencial, e achei o a distância muito mais difícil. Não tem ninguém para ficar cobrando você todo dia e, por isso, você precisa se organizar melhor."

 

SP veta docente com formação a distância

 

Uma demonstração de que a garantia de qualidade na educação a distância ainda está longe de ser consensual entre os educadores foi dada em junho deste ano pelo Conselho Municipal de Educação de São Paulo, que recomendou à prefeitura que não admitisse professores formados por essa modalidade de ensino.

 

O principal argumento dos conselheiros contra a educação a distância foi que, no município, não haveria a necessidade de contratar professores por essa modalidade, já que há número suficiente de docentes formados em cursos presenciais.

 

Concorrência

 

Os relatores José Augusto Dias e Rubens Barbosa de Camargo argumentaram em seu relatório que, no caso da cidade de São Paulo, os últimos concursos para contratação de professores tiveram concorrência de mais de 25 candidatos por vaga.

 

Afirmam ainda que, mesmo nas disciplinas em que há mais carência de professores no Brasil -como geografia, física e matemática-, houve número mais do que suficiente de candidatos em São Paulo.

Para eles, a contratação de professores a distância se justifica em casos emergenciais, o que não se verificaria na capital paulista. No entender dos membros do conselho, no caso da formação de professores, quando se pode escolher, o melhor é optar pela formação presencial.

 

Inapropriado

 

"Do ponto de vista pedagógico, não é apropriado falar em educação a distância para a formação de docentes. Os meios eletrônicos podem transmitir preciosos conhecimentos, mas a educação não se faz apenas com conhecimentos. Há valores essenciais a uma educação completa que somente é possível adquirir pela convivência", diz o relatório.

 

(Folha de São Paulo, 10/9)


Data: 10/09/2007