topo_cabecalho
Opinião - Che Guevara: cinema e imagem - Parte 4

Che Guevara: cinema e imagem - Parte 4

Wagner Braga Batista

 

Passados 40 anos, esse fato ainda se reveste de grande importância histórica. Deve ser resgatado para identificação de práticas e de valores que foram questionados pela restauração liberal nos anos 90. Guevara encarnou princípios e práticas de uma geração golpeada brutalmente pela repressão política na América Latina. Ainda hoje sua imagem é uma das mais reproduzidas como expressão desses valores. Representa a vitalidade do socialismo.  O desprendimento, a solidariedade, a perseverança, a defesa do trabalho voluntário, das convicções políticas e a luta em defesa dos povos oprimidos em todo o mundo devem ser rememorados nas lutas sociais da atualidade.

 

Sua vivencia deve ser examinada nos marcos da guerra fria. Num contexto de polarização política mundial de dois sistemas econômicos hegemonizados pela URSS e pelos EUA.

 

A hegemonia norteamericana no mundo ocidental e especialmente na América Latina, manifestou-se em formas abertas e veladas de intervenção em diversos países periféricos. O apoio a ditaduras de diferentes extrações implicou no desenvolvimento de formas de resistência que conduziram à luta armada. A formação de diferentes organismos internacionais e nacionais empenhados em promovê-la provocou o recrudescimento da repressão política e das formas mais torpes de aviltamento de opositores de regimes de força.

 

Essa escalada tem início após a II Guerra Mundial. São criados organismos de formulação de estratégias e de  execução de suas diretrizes na América Latina. Em 1946 é criada a Escola das Américas, no Panamá, com a finalidade de preparar oficiais de exércitos latinoamericanos para a guerra insurrecional. Em paralelo desenvolve-se a doutrina de segurança nacional, por meio da qual ganha ênfase nas forças armadas a luta contra o inimigo interno. Ou seja, opositores que visam a mudança de estruturas de poder e de relações sociais dominantes.

 

Em 1984, o arcabouço da Escola das Américas é transferido para Forte Benning, Georgia, EUA, e em 2001, será renomeada como Instituto do Hemisfério Occidental para Cooperação em Segurança. Vulgarizada como escola de Assassinos em seus 59 anos de existência estima-se que tenha formado mais de 50 mil oficiais em técnicas contra-insurrecionais, envolvendo um vasto espectro que vai da formulação de estratégias à prática de crimes hediondos como a sabotagem e a tortura.

 

A influência de ex-oficiais franceses tornou-se marcante nesse mister, a partir dos anos 60.

 

Essa ação foi bem documentada em “Esquadrones de la muerte”( Marie-Monique Robin, 2004, 54 min). Neste filme, a diretora registra a difusão das técnicas de interrogatório e de extermínio na Amárica Latina, especialmente na Argentina. Localiza e entrevista ex-oficiais do exército francês que vivenciaram e assimilaram as derrotas nas lutas de libertação nacional na Indochina, 1954, e na Argélia, 1962. Esses ensinamentos consolidam estratégias contra-insurrecionais centradas na busca de informações sobre as organizações clandestinas e suas formas de resistência. O eixo é a tortura e o extermínio de integrantes dessas organizações.

 

Nas décadas de 60 e 70, esses oficiais atuam como assessores de governos militares latinoamericanos e do exercito norteamericano. No filme há depoimento bastante significativo sobre a origem da Operação Condor (articulação dos organismos de repressão do Cone Sul para seqüestrar e aniquilar opositores em qualquer país), bem como sobre orientações a militares brasileiros, em Manaus, possivelmente reprimindo a guerrilha do Araguaia (1972-1974)

 

A política inserida e dimensionada pelos preceitos da segurança nacional teve como desdobramento a redução do papel das forças armadas como mero instrumento repressivo. Essa diretriz ganhou corpo na América Latina a partir da metade do século XX.  No cenário da guerra fria, sob a hegemonia norteamericana, Com nuances e intensidades variáveis, pode-se afirmar que essa diretriz esteve presente em todas as estratégias políticas nacionais.

 

A revolução cubana, as intervenções norteamericanas, os movimentos insurrecionais e o apoio de Cuba às lutas de libertação nacional devem ser focalizadas e analisadas como processos derivados desse contexto.

 

A trajetória e a proeminência de Guevara na conjuntura advêm da significativa influência que exercerá na condução da política externa cubana. Essa política será determinada pelos sucessivos atos de sabotagem econômica. Sua meta resistir ao estrangulamento econômico e romper o isolamento imposto pelos EUA.

 

A explosão de fábricas e de navios cubanos, bombardeio de aviões, destruição de instalações e equipamentos públicos, queima de canaviais, atentados a militantes e educadores, apoio a milícias armadas em Camaguey, preparação de contra-revolucionários no Panamá, são algumas ações que precederam o desembarque de mercenários em vários pontos de Cuba, em 15 de abril de 1961. Graças aos comitês de defesa da revolução e a decisiva participação popular em apenas 4 dias a intervenção militar estava sufocada. Vide “Giron” (Manuel Herrera, 1966, 102 min)

 

A revolução cubana, com suas várias dimensões desde a origem à consolidação até os desafios atuais, foi fartamente registrada pelo cinema. Os filmes documentais e de ficção desenham o entorno no qual a participação de Ernesto Guevara tornou-se proeminente. Entre esses filmes podemos destacar: “Cold war: Castro’s revolution”(The Documedia Group, 2001, 45 min); “Una isla en la corriente” (Daniel Dias Torres, s.d., 56 min); “El 4 años que estremecieran al mundo” (  Daniel Dias Torres, s.d., 56 min),  Intrigas em latinoamerica”( Isobel Hinshelwood / Alisson McAllan, Series Producers, Associated, s.d.  46min) “Bloqueo: la guerra contra Cuba”( Daniel Desalons, 2005, 72min); “La crise des missiles”(Cinenova Productions Inc, 2002, 52 min ). Essa lista nõa pretende exaurir a extensa produção cinematográfica sobre os fatos concernentes à revolução cubana. Constitui, apenas, uma singela mostra que apresenta uma visão panorâmica desse complexo processo político.

 

Na vertente cinematográfica, a trajetória política de Guevara pode ser extraída de películas com depoimentos de familiares e de amigos, bem como de documentários que reconstituem sua participação na revolução cubana e, posteriormente, na guerrilha boliviana. No primeiro caso, as diversas biografias devem ser mencionadas, bem como o registro do cineasta argentino Fernando Birri, do depoimento de seu pai, em 1986: “Mi hijo Che”. No segundo, podemos destacar: “Il camino del Che”(Jean Cormier, 1997, 56 min)“ Che Guevara, donde nunca jamás se lo imaginan”, Manuel Pérez Paredes, 54 min.

 

A jornada de Guevara na Bolívia está parcialmente descrita em seu diario. Retido com seus poucos pertences pelos seus captores, seu teor foi imediatamente divulgado após sua morte. Cópia desse documento foi entregue em Cuba, por membro do alto escalão do governo boliviano. O diário foi editado em varias linguas em todo mundo. Há varias edições em lingua portuguesa, algumas com informações adicionais, tais como fotos, mapas, verbetes, siglas e dados biográficos dos participantes da guerrilha.


Data: 05/10/2007