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Universidades geram empresas

Cidades fora da capital incorporam tecnologias dos laboratórios e permitem a criação de fábricas inovadoras

Na última rodada de projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa de SP (Fapesp), o interior paulista reinou absoluto.

De 724 pequenas empresas de base tecnológica, 540 eram de fora da capital. Campinas (com 127 projetos), São Carlos (97) e São José dos Campos (52) foram as cidades com o maior número de aprovações.

A boa novidade é que a maioria delas teve como berço universidades ou institutos de pesquisa. É o conhecimento que antes mofava nas bibliotecas indo parar na linha de montagem de fábricas.

A Unicamp é o maior depositante de pedidos de patentes do País, quando se esperaria que companhias ocupassem o primeiro lugar. No Brasil, pesquisa e desenvolvimento é atividade estranha às empresas privadas.

No mundo desenvolvido, são rotina para quem quer estar à frente da concorrência.

“Universidade não faz patente por milhares. Uma top (de excelência) faz por centenas e uma boa, por dezenas. Já publicações científicas nas universidades são por milhares”, explica o diretor-científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz.

Criada em 2003, a Inova Unicamp, agência de inovação tecnológica, é responsável pela gestão dos processos de transferência de tecnologia e de propriedade intelectual. Até o ano passado, foram requeridas 460 patentes, 48 foram concedidas e 45, licenciadas.

A eficácia do trabalho da agência resultou no primeiro medicamento comercial surgido de uma pesquisa da Universidade. O produto à base de isoflavona da soja reduz os efeitos da menopausa e foi o único dos oito fármacos licenciados pela Inova que chegou às farmácias, graças a uma parceria com a Steviafarma Industrial.

Mais que royalties – em 2006, a Inova obteve R$ 240 mil em licenciamentos -, a agência permite estreitar o diálogo academia-empresa.

“O maior benefício é a rede de relacionamentos que ela traz para pesquisadores, alunos, empresas e organismos de governo, criando oportunidades para que o conhecimento gerado seja convertido em benefícios à sociedade”, explica o diretor-executivo da Inova, Roberto Lotufo.

Transição

A filosofia da Unicamp e de outras universidades interioranas contaminou. Pesquisadores se sentiram seguros a largar o direito futuro à aposentadoria pública para criar empresas com todos os riscos incluídos.

São os spin-offs, em geral nascidos de um estudo desenvolvido por um laboratório. No fundo, mestres e doutores percebem que aquele conhecimento inovador pode gerar um produto rentável e só uma fábrica privada é capaz de torná-lo competitivo.

O interior tem se especializado em criar spin-offs.

A Opto foi a primeira empresa incubada do Parque Tecnológico de São Carlos. Hoje está nas alturas, preparando as câmeras fotográficas para o satélite sino-brasileiro Cbers-3, que será lançado em 2009, e muitos outros produtos que barateiam a prática médica.

Se o leitor foi a um oftalmologista ou a um dentista, há grande chance de ter visto um aparelho da empresa. Se tem um óculos com lentes anti-reflexo, já usou um produto deles. E tudo começou quando físicos da USP passaram a dominar o uso do laser hélio-neônio, em 1986.

“Achávamos que ia ter fila na porta, mas o fato é que o laser não vendia”, lembra o diretor de pesquisa e desenvolvimento, Mario Stefani.

Os ex-pesquisadores insistiram e fizeram aquilo que a academia não faz. O departamento comercial foi bater nas portas do mercado. Era preciso conhecer as necessidades reais dos clientes.

Começaram a produzir lentes de alta precisão, filtros e espelhos óticos. Nacionalizaram produtos, como o refletor anticalor para consultórios odontológicos.

Para um pesquisador da Universidade Federal de SP (Unifesp) que estuda a degenerência macular, aperfeiçoaram um aparelho de laser fotocoagulador. A pesquisa está na fase de testes clínicos.

“A cabeça do pesquisador nas universidades pensa no desenvolvimento pelo desenvolvimento. Estamos preocupados em transformar o conhecimento num produto”, diz o diretor Antonio Fontana.

A Opto tem hoje 15 patentes registradas e outras 5 em processo. Fatura R$ 45 milhões, cresceu 136% nos últimos três anos, gera mais de 300 empregos, 50 deles mestres ou doutores.

Todos contribuem com os projetos dos outros, como o aluno do quinto ano da USP Guilherme Cunha de Castro, no time que desenvolve o laser verde. “Pesquisar em empresas é mais dinâmico”, diz.

Recursos a mais

Órgãos de fomento estadual, como a Fapesp, ou federais, como a Finep e o CNPq, têm estimulado a criação de empresas como a Opto.

Leis recentes, como as de Inovação e de Informática (2004), de Biossegurança e do Bem (2005), e a de regulamentação do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT, de 2007), ainda a ser votada, multiplicaram os patamares de recursos para o setor.

Só a Finep vai dobrar no ano que vem o atual desembolso de R$ 1 bilhão para o FNDCT.

Neste ano, a Finep já investiu R$ 145 milhões em projetos do interior paulista para áreas como aeroespacial, bio e nanotecnologia, fármacos e TV Digital. Destaque para as cidades de São José dos Campos, Campinas e São Carlos.

O Estado de SP obteve R$ 166 milhões em subvenção do órgão.

As cifras parecem migalhas perto de Japão, EUA e Coréia do Sul. Cerca de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) deles é investido em pesquisas. Para cada dólar que o Brasil investe no setor (0,85% do PIB), a China deposita outros seis dólares. E o país segue exportando commodities.

“Uma empresa como a minha é bancada pelo governo num país como os EUA. Isso reduz o risco”, argumenta o empresário José Ellis Ripper, dono da AsGa, de Paulínia, especializada em soluções para telecomunicações. “Desafio qualquer um a encontrar um país que se desenvolveu sem ajuda do governo.”

Ex-cientista da Unicamp, Ripper formou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto de Tecnologia Aeronáutica. Com colegas da escola construiu o primeiro computador brasileiro, o Zezinho, em 1961. Era uma máquina de somar e subtrair.

Fez mestrado e doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Virou pesquisador do Bell Labs, onde conheceu a fibra ótica. Ficou lá até que o físico Rogério Cezar Cerqueira Leite, que recrutava cérebros para voltar ao Brasil, o convidou para qualificar uma Universidade.

Foi parar na Unicamp, em 1971. Quando foi preterido na nomeação de um cargo público, decidiu que era hora de tocar um negócio próprio. Começou na Elebra, que deu origem à AsGa e foi comprada por ele depois de quebrar com o Plano Collor.

Ripper reclama da dificuldade em importar materiais de insumo para fazer ciência, um problema em todo o País. Certa vez, sua filha que mora nos Estados Unidos emitiu um cheque caução de US$ 300 mil para que empresas dessem crédito para ele importar componentes.

É a burocracia. A Opto levou oito meses para desembaraçar da alfândega um simples LED, dispositivo eletrônico. Com o atraso, a empresa fez todo o desenvolvimento de um produto na teoria.


(O Estado de SP, 14/10)


Data: 15/10/2007