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Famílias de baixa renda gastam 10% do orçamento com educação

Mais ricos investem 5,4 vezes mais do que mais pobres, porém comprometem 72% menos de seu salário

Muitas famílias pobres brasileiras, descontentes com o ensino público, estão fazendo um esforço financeiro para matricular seus filhos em instituições privadas.

Cerca de 1 milhão de famílias das classes D e E comprometem 10% de sua renda pagando mensalidade em escolas particulares, segundo um estudo que será divulgado nesta segunda.

São pessoas que recebem, em média, R$ 800 por mês (valores que variam de R$ 500 a R$ 1.500).

Isso é quatro vezes mais, proporcionalmente, do que investem as classes A e B, que aplicam 2,5% do rendimento familiar em ensino privado - apesar de gastarem, quantitativamente, 5,4 vezes mais.

"Tínhamos a impressão de que famílias de baixa renda também estavam gastando com educação, provavelmente por não confiarem na escola pública ou pela crença muito difundida de que a particular sempre é melhor. Decidimos investigar isso primeiro para saber se era verdade e depois para entender onde e como esse investimento estava sendo feito e o quanto comprometia da renda familiar", explica um dos autores da pesquisa, Naércio Menezes Filho, professor de Economia do Ibmec SP e da Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP).

"Como resultado, além de percebermos que esse gasto existia, vimos que, entre famílias de classes mais baixas, o comprometimento da renda era muito maior."

O estudo mostra também que, quanto maior a escolaridade da mãe, independentemente do salário, mais alta é a probabilidade de ela investir financeiramente na educação de seu filho.

Ao comparar mães com 11 anos de escolaridade, ou seja, o ensino básico completo, com as que não são alfabetizadas, a proporção quase dobra dentro da mesma faixa de rendimentos.

Os dados são mostrados em levantamento inédito feito pelo Ibmec SP e pelo Instituto Futuro Brasil, em parceria com a Fundação Lemann e o Instituto Gerdau.

Para chegar aos números, foram usados dados atualizados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (Pof), ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e do Censo Escolar, feito pelo Inep, órgão de pesquisa ligado ao Ministério da Educação (MEC).

O trabalho será divulgado nesta segunda-feira no seminário "Gastos com Educação - Um Reflexo da Gestão e da Legislação".

Desigualdade

De acordo com a publicação "Gastos e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas", do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a educação é justamente o item que mais cresceu nas despesas do orçamento das famílias brasileiras desde 1998.

Esse investimento representa também o segundo item de maior desigualdade entre ricos e pobres no País: as famílias com mais dinheiro investem 30 vezes mais na formação de seus filhos do que as mais carentes.

"É comum encontrarmos entre pessoas de renda muito baixa um esforço grande para conseguir oferecer um ensino diferente aos filhos. E, com a idéia geral de que a escola pública está muito ruim, a particular aparece como o melhor investimento para poderem oferecer uma expectativa de vida diferente aos filhos", afirma Ladislaw Dowbor, professor da pós-graduação da PUC-SP e consultor das Nações Unidas na área de política pública e desenvolvimento.

"Por mais que isso demonstre uma vontade e uma valorização da educação, é também muito trágico. É o reforço da divisão que temos hoje de escolas para ricos e escolas para pobres. E de como a rede pública ainda não consegue incluir o seu aluno, apesar de já haver boas iniciativas localizadas de melhoria", complementa.

Ensino fundamental

Nas classes A e B, 80% dos alunos estudam em escola particular. Nas classes D e E, segundo o estudo, essa proporção é de 7% e 5%, respectivamente.

Na primeira fase do fundamental (1ª a 4ª séries), os valores médios anuais gastos variam drasticamente: de R$ 200 no Amapá, onde foi encontrado o menor valor, até R$ 2.000 em SP, Estado com custos mais altos.

É justamente nessa etapa da escolarização que houve, na última década, uma grande universalização, com vagas públicas disponíveis, atualmente, para 97% dos alunos. Justamente, onde não precisaria haver tanta demanda pelo ensino pago.

No ensino médio, essa proporção cai pela metade e volta a subir no ensino superior - onde houve uma proliferação, nos últimos anos, de instituições particulares com preços mais acessíveis.

Já entre as classes A e B, a proporção de investimento se mantém igual em todos os níveis da educação, com queda na universidade.

"Os dados mostram que ainda hoje quem está na universidade pública é quem estudou na rede privada no ensino básico e os mais pobres recorrem às universidades pagas", diz Menezes Filho.

(O Estado de SP, 28/10)


Data: 29/10/2007