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Faculdade dá R$ 600 por nota boa no Enade

Alunos ganharão o prêmio se a instituição receber boa avaliação; resultados costumam ser usados em campanhas publicitárias. Faculdade Paulista de Serviço Social de SP e de São Caetano do Sul obtiveram nota 2 e 3; valor do prêmio será conforme nota obtida

A Faculdade Paulista de Serviço Social de São Paulo e a de São Caetano do Sul prometem pagar um prêmio de R$ 300 a R$ 600 aos alunos que participarem do Enade, desde que as instituições obtenham uma boa nota no exame.

Em 2004, a de São Paulo recebeu nota 2 no Enade, o antigo Provão, numa escala de 1 a 5, o que a colocou em uma das últimas posições no Estado. A de São Caetano, nota 3. A prova do Ministério da Educação avalia estudantes do primeiro e do último ano de cursos superiores e será realizada neste domingo. Os resultados positivos costumam ser utilizados por instituições em campanhas publicitárias.

A Sociedade de Serviço Social, mantenedora das duas faculdades, diz que a iniciativa é um estímulo para que os alunos não boicotem o exame (a não participação dos alunos prejudica a nota das instituições).

"A nossa intenção é simplesmente estimular o estudante a participar do exame e mostrar o que aprendeu na graduação", afirma Dionino Cortelazi Colaneri, presidente da entidade. O valor do prêmio irá variar conforme o desempenho. Se a média da faculdade for igual ou superior a 4,4, cada aluno receberá R$ 600. Se a média for igual ou superior a 3,9, R$ 400; a partir de 3,4, R$ 300.

O aluno que conseguir uma nota maior do que a média da instituição receberá ainda um acréscimo de 20% no prêmio. Como as faculdades não recebem a nota individual, os alunos terão de informá-las.

A medida é polêmica. "Arranha a ética", diz Mario Sergio Cortella, da PUC-SP. Já Simon Schwartzman, diretor-presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, diz que "é um incentivo a mais".

Prêmios

As faculdades pretendem abater o valor do prêmio da anuidade (a mensalidade gira em torno de R$ 475, conforme o ano -1º, 2º, 3º ou 4º), assim que o resultado for divulgado. Os do 4º ano que concluírem o curso sem débito na tesouraria receberão o valor em dinheiro.

A previsão do Inep, (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão do MEC que realiza o Enade, é divulgar os resultados em meados de maio.

De acordo com Dilvo Ristoff, diretor de Estatística e Avaliação da Educação Superior do Inep, a oferta de prêmio é a primeira de que se tem registro nestes moldes.

"É a primeira vez que vejo isto assim tão claramente assumido e publicado, embora tenha ouvido falar de premiações (carros, viagens, auxílio-formatura, etc) oferecidas por algumas instituições desde os tempos do Provão", afirma Ristoff.

Na avaliação dele, porém, o reflexo disso sobre o resultado do Enade é pequeno. "Trata-se de casos isolados entre milhares de cursos e centenas de milhares de estudantes."

Pagamento é incentivo a adesão, diz faculdade
Presidente de sociedade mantenedora afirma que medida não fere a ética. Para ele, prêmio não interfere na opinião sobre a escola que o aluno expressará no Enade, já que a instituição não tem acesso às respostas

A Sociedade de Serviço Social, entidade mantenedora da Faculdade Paulista de Serviço Social, que promete pagar aos alunos que participarem do Enade se o desempenho da instituição for bom, afirma que a medida não fere a ética.

"Não queremos trabalhar a idéia do pecúlio e não fazemos preparação para o Enade. Só queremos incentivar a adesão à prova", afirma Dionino Cortelazi Colaneri, presidente da entidade mantenedora. "Não há nenhuma chantagem nisso."

Ao se inscrever no Enade, o estudante recebe um questionário socioeconômico no qual ele avalia, entre outros itens, a infra-estrutura da instituição e o corpo docente. Para Colaneri, o prêmio em dinheiro não irá interferir na opinião do aluno, já que a instituição não tem acesso às respostas.

Segundo Colaneri, nos últimos três anos, a inadimplência nas duas unidades (São Paulo e São Caetano do Sul) tem beirado os 37%. "Se a nota no Enade for novamente ruim, isso irá prejudicar com certeza a imagem da instituição, que preza pela qualidade do ensino."

Diante disso, ele conta que teve, então, a idéia de oferecer prêmios, em abono na anuidade ou em dinheiro para o aluno do quarto ano sem débitos. "Achei que era um bom estímulo. Se o aluno tiver que pagar menos, a chance de haver inadimplência deve diminuir."

A proposta de premiação foi enviada por correio no dia 29 de outubro aos estudantes do primeiro e quarto anos selecionados para fazer o Enade.

"Estarrecida"

Elisabete dos Santos, 30, aluna do primeiro ano da Faculdade Paulista de Serviço Social de São Paulo, afirma ter ficado "estarrecida" ao abrir o envelope. "É como se estivessem comprando o meu conhecimento."

Ela relata que há uns 20 dias a direção da faculdade foi até as salas de aula falar sobre a situação da inadimplência dos alunos. "Disseram que a faculdade estava no vermelho, e, em seguida, recebemos uma carta oferecendo a premiação?"

Para Elisabete, o dinheiro em abonos na anuidade poderia ser investido mais em infra-estrutura. "Além disso, a medida parece ir de encontro ao que prega o nosso curso, que é a não-alienação do indivíduo."

Stefane Max, 19, da faculdade de São Caetano do Sul, conta que pretende fazer o Enade mais como uma auto-avaliação. "Não sou a favor nem contra a decisão em premiar, só acho que devemos ter livre-arbítrio para decidir se queremos fazer o Enade ou não."

"Esse prêmio cria competição entre os alunos, que não devem ser responsabilizados pela qualidade do ensino", diz Leonardo David Rosa Reis, coordenador da Enesso (Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social).

Para Eutália Guimarães Gazzoli, presidente do Conselho Regional de Serviço Social (SP), "os alunos têm toda a razão de estar descontentes". "Essa premiação é uma sedução. Uma faculdade séria não precisa criar estímulos para os estudantes."

Educadores divergem e chamam prêmio de "repulsivo" ou de "estímulo" ao aluno
"O Enade virou uma moeda de troca", afirma Isabel Franchi Cappelletti, professora do programa de pós-graduação em educação

Especialistas
divergem sobre a oferta de prêmio em dinheiro, mesmo que seja em abatimento na anuidade, para incentivar a adesão de alunos ao Enade.

"É um absurdo. O Enade virou uma moeda de troca. Isso é uma conseqüência do uso político que se faz das avaliações ao divulgar rankings que podem estar a serviço do mercado", avalia Isabel Franchi Cappelletti, professora do programa de pós-graduação em educação: currículo da PUC-SP.

Para Mario Sergio Cortella, também da PUC-SP, a iniciativa chega a "macular a ética". "É a monetarização do Enade. É, no mínimo, antipedagógico. Dar descontos na mensalidade é saudável, mas vincular isso à presença do estudante no Enade causa um certo problema", avalia Cortella.

O diretor de Estatística e Avaliação da Educação Superior do Inep, Dilvo Ristoff, ressalta que "dar prêmio à dedicação e à busca de excelência não é e nunca foi proibido".

No entanto, para ele, "o que torna a idéia do pagamento aos estudantes repulsiva não é a premiação em si, mas a percepção de que se faz o que se faz agora porque se deixou de fazer, em termos organizacionais e pedagógicos, o que deveria ter sido feito muito antes."

Francisco Soares, coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG, diz que "todo processo de avaliação gera efeitos agradáveis e desagradáveis" e a premiação não pode ser avaliada somente pela ótica moral. "Os atores vão procurar a melhor maneira para se adaptar a isso. O problema está no Enade."

Na visão de Simon Schwartzman, diretor-presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, não há nenhum problema na premiação, pois funcionará como um estímulo ao estudante. "Ele fará a prova com base no que aprendeu. Só irá se empenhar mais". Segundo ele, "quando há a criação de qualquer tipo de exame, sempre haverá gente se preparando, como no vestibular".

(Folha de SP, 9/11)


Data: 09/11/2007