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Estudo lança luz sobre problemas infantis na escola

Educadores e psicólogos há muito temem que crianças que estejam começando na escola com problemas comportamentais enfrentarão problemas em seus futuros anos de estudo. Mas duas pesquisas recentes sugerem que esses temores talvez sejam exagerados.

 

Uma delas concluiu que os alunos de jardins de infância identificados como perturbados se saem tão bem quanto seus colegas, no ensino básico. A segunda constatou que crianças que sofrem de diferentes formas de deficiência de atenção na verdade são vítimas de lentidão no desenvolvimento no cérebro, e não de um defeito ou déficit mental.

 

Os especialistas dizem que as conclusões dos dois estudos, que estão sendo publicados hoje por duas revistas científicas diferentes, podem mudar a maneira pela qual cientistas, professores e pais compreendem e administram crianças incômodas ou emocionalmente retraídas, nos anos iniciais de escola. Os estudos podem até levar a uma reavaliação das possíveis causas de comportamento perturbador em algumas dessas crianças.

 

'Acredito que essas conclusões possam tomar grande importância, e nos forcem a perguntar se esse tipo de problema, expresso na forma de comportamento incômodo, não seria secundário com relação às expectativas indevidas de maturidade que alguns educadores mantêm com relação às crianças assim que elas chegam à escola', disse Sharon Ramey, diretora do Centro de Saúde e Educação da Universidade Georgetown, que não participou de nenhum dos dois estudos.

 

Em uma das pesquisas, uma equipe internacional de cientistas analisou os indicadores de desenvolvimento social e intelectual de mais de 16 mil crianças e constatou que os comportamentos perturbadores e anti-sociais no jardim de infância não se correlacionam aos índices de sucesso registrados ao final do ciclo de ensino básico.

 

Os alunos de jardim de infância que costumam interromper professores, desobedecer instruções ou até puxar briga com colegas tinham desempenho tão bom em leitura e matemática quanto crianças de nível semelhante de habilidade, quando os dois grupos de estudantes chegavam à quinta série, de acordo com o estudo.

 

Outros pesquisadores acautelaram que as conclusões do estudo, que estão sendo publicadas pela Developmental Psychology, uma revista científica, não implicam que os problemas emocionais de que as crianças sofrem sejam triviais ou incapazes de prejudicar seu desenvolvimento acadêmico, nos anos anteriores ou posteriores ao ensino básico.

 

No outro estudo, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde americano e da Universidade McGill, no Canadá, usando técnicas de varredura magnética, constataram que os cérebros de crianças que sofrem de distúrbio de deficiência de atenção e hiperatividade em geral se desenvolvem de maneira mais lenta em algumas áreas do que os cérebros de crianças que não sofram esse tipo de distúrbio.

 

O distúrbio de deficiência de atenção se tornou o mais comum diagnóstico psiquiátrico para as crianças pequenas que exibem comportamento incômodo; estima-se que entre 3% e 5% das crianças em idade escolar sofram do problema. Os pesquisadores há muito debatem se isso é resultado de alguma deficiência cerebral ou simplesmente de um atraso no desenvolvimento.

 

Os médicos dizem que o relatório, que sai na Proceedings of the National Academy of Sciences, ajuda a explicar por que tantas crianças revertem o diagnóstico inicial de distúrbio de deficiência de atenção, quando passam do ensino básico ou ainda posteriormente, muitas vezes depois de tratamentos com medicamentos estimulantes que melhoram sua concentração, quando ainda pequenas.

 

As conclusões do primeiro estudo surgiram de uma colaboração entre uma dúzia de importantes pesquisadores, que decidiram reavaliar os dados de seis grandes estudos sobre o desenvolvimento infantil realizados de 1970 para cá. Cada um desses seis estudos acompanhou centenas de crianças da primeira infância até o ensino básico, registrando seu desempenho com relação a diversos indicadores, entre os quais a capacidade matemática e a de leitura, a estabilidade emocional, a capacidade de concentração, e a atenção. A maioria dos estudos utiliza relatórios de professores sobre os alunos a fim de avaliar o progresso emocional e social dos estudantes e sua capacidade de prestar atenção, quando isso lhes é requerido. Os pesquisadores ajustaram os resultados de sua avaliação com o objetivo de eliminar fatores como a renda familiar e a estrutura da família das crianças.

 

Embora houvesse baixa correlação entre problemas de comportamento no jardim da infância e o sucesso acadêmico posterior, os pesquisadores concluíram que os resultados obtidos em testes de matemática por crianças de cinco ou seis anos de idade apresentavam forte correlação com os resultados acadêmicos que elas viriam a obter na quinta série. A capacidade de leitura e os resultados quanto aos indicadores de atenção, no jardim da infância - áreas em que as crianças que sofrem de distúrbio de atenção costumam encontrar problemas - também serviam para a previsão de futuros resultados acadêmicos, mas apresentando correlações bem menos fortes do que no caso dos resultados de testes matemáticos. Os padrões se assemelhavam para meninos e meninas, e também para crianças de famílias afluentes e de famílias de baixa renda.

 

Os autores do estudo sugerem que os programas pré-escolares talvez devessem considerar a possibilidade de desenvolver métodos mais efetivos de treinamento matemático no período anterior ao ensino básico. As conclusões devem eliminar de vez as preocupações quanto à possibilidade de que crianças inquietas, incômodas ou retraídas, em seus anos de pré-escola, estejam condenadas a enfrentar futuros problemas acadêmicos.

 

'Para os jardim de infância, ao que parece os professores se provaram capazes de contornar esses problemas de comportamento de maneira que permite às crianças que sofrem esse tipo de dificuldade aprender tanto quanto as demais crianças que ostentam nível de capacidade básica semelhante', disse o diretor do projeto de pesquisa, Greg Duncan, professor de desenvolvimento humano e políticas sociais da Universidade Northwestern. Essa constatação, em especial, afirmou Duncan, 'resultou em grandes controvérsias entre os psicólogos especialistas em desenvolvimento que avaliaram o estudo'.

 

Um dos psicólogos que discordam da teoria é Ross Thompson, professor de psicologia na Universidade da Califórnia em Davis. Ele afirma que seria um erro concluir, com base nos resultados, que os programas adotados para orientar o desenvolvimento emocional dos alunos de pré-escola fossem ineficientes. 'Isso seria uma tremenda, dupla, desvantagem para as crianças realmente difíceis', disse ele. 'Primeiro, não receberiam ajuda para administrar melhor seu comportamento, e depois seriam classificadas como crianças-problema tão logo entrassem na escola'.

 

No segundo estudo, pesquisadores do governo no campo da psiquiatria compararam imagens de tomografias cerebrais de dois grupos de crianças: um deles composto por meninos e meninas que sofrem de distúrbio de atenção e o outro por crianças que não enfrentam esse problema. Os cientistas acompanharam as crianças - 223 em cada grupo - dos seis aos 16 anos, obtendo múltiplas imagens tomográficas de cada participante ao longo do período.

 

Em um cérebro que esteja se desenvolvendo normalmente, o córtex cerebral (revestimento externo do cérebro, região em que se concentram os circuitos envolvidos no pensamento consciente) se adensa durante a primeira infância. Depois, reverte o curso e volta a se afinar, perdendo neurônios à medida que a criança vai se aproximando da adolescência. O estudo constatou que, em média, os cérebros das crianças que sofrem de distúrbio de atenção iniciam esse processo de “poda” aos 10 anos e meio de idade, cerca de três anos depois de seus colegas que não enfrentam a mesma dificuldade.

 

Cerca de 80% das crianças que sofriam de deficiência de atenção usavam ou haviam usado medicamentos estimulantes, e os pesquisadores não tinham como aferir o efeito dos medicamentos sobre o desenvolvimento cerebral. Os médicos consideram que os medicamentos estimulantes sejam uma boa maneira de estimular a atenção em curto prazo; o novo estudo não deve alterar essa posição.

 

Mas o maior atraso no amadurecimento do cérebro foi localizado exatamente naquelas áreas do córtex mais envolvidas com a atenção e o controle motor, disse o diretor científico do projeto, Philip Shaw, psiquiatra do Instituto Nacional de Saúde Mental. 'Essas são exatamente as áreas nas quais tínhamos a expectativa de localizar diferenças', afirmou Shaw.

 

(The New York Times)


Data: 13/11/2007