“Se você não for à escola, vamos passar fome” Estudantes freqüentam aulas só para ganhar presença e evitar que famílias percam benefício do Bolsa Família Ao exigir a freqüência escolar, o programa Bolsa Família deu origem a um novo tipo de aluno na rede pública: o jovem que vai escola só para ganhar presença e evitar que o benefício seja bloqueado. É o que ocorre nas escolas públicas de Viçosa e José da Penha, no Rio Grande do Norte, onde a família da maioria do alunos é contemplada. Diretoras e professoras dizem que o abandono escolar caiu, mas se queixam da dificuldade de ensinar um público que não parece muito interessado em aprender. Em Viçosa, o estudante Antonio Samuel Pedro da Silva, de 15 anos, era um eterno ausente na Escola Francisco Gomes Pinto, mas voltou a freqüentá-la no segundo semestre, depois que o governo suspendeu o pagamento de R$ 94 mensais do Bolsa Família para sua mãe, Joana Darc da Silva, de 42 anos. Desde o fim do ano passado, Joana recebeu três cartas do Ministério do Desenvolvimento Social. A primeira alertava para o excesso de faltas do filho — o programa exige freqüência mínima de 85%. Depois, o repasse foi bloqueado e, por último, suspenso. Desempregada, ela deu uma bronca em Samuel: — Fui na maior ignorância. Falei: “Se você não for à escola, nós vamos passar fome”. O que tem dentro de casa é o Bolsa Família. Preciso dar de comer a meus filhos — diz ela, viúva que se casou de novo. Em meio à pobreza, merenda também atrai
A supervisora pedagógica Claudia Cavalcante critica o Bolsa Família. Ela argumenta que a contrapartida deveria ser o sucesso escolar e não somente a presença. — É ruim. A criança vem por causa do dinheiro e não com o objetivo de aprender, crescer e ser um cidadão — diz Claudia. A diretora Crismar Cardoso de Freitas concorda com a supervisora, mas acha que a simples presença já é um avanço. — Há alunos que só vêm para criar problema. Mas, enquanto estão na escola, não estão fazendo coisa errada. Ela conta que outro atrativo é a merenda. — Costumo brincar: se estudassem metade do que comem, saberiam muito. O aluno Rubens Namon da Silva Souza, de 14 anos, é outro que voltou a estudar para que a família não perdesse o Bolsa Família. Namon pensa em trabalhar no ano que vem. Uma das opções é colher castanhas por R$ 9 o saco de 60 quilos — o que requer dois dias de trabalho. Sua irmã, Roseane, de 20 anos, concluiu o ensino médio, mas engravidou e desistiu de procurar emprego. Recentemente, ela passou a receber o Bolsa Família. Quando a filha crescer, pensa em ser professora. Em José da Penha, onde o telefone da escola é um orelhão e os alunos fazem fila para repetir a merenda, a cena se repete. Os colegas Henrique de Fontes, de 14 anos, e Francinaldo Pereira da Silva, de 15, ambos no 5o ano, viviam matando aula. — Depois que recebi a carta, nunca mais faltei — diz Francinaldo, filho de um agricultor e uma dona de casa. A professora Erisneide Alves de Oliveira está cansada do desinteresse dos alunos: — Nem se você se vestir de palhaço chama a atenção. (O Globo, 18/11/07) Data: 20/11/2007 |