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Estudo vai mapear cérebro de homicidas

Projeto examinará mais de 50 menores infratores para investigar base biológica da violência. Grupo vai analisar aspectos genético, psicológico, social e cerebral de adolescentes

"Eu estava sozinho na rua. Não tinha recurso. Ninguém queria me dar serviço. O que queriam me dar não dava dinheiro. Comecei a traficar, roubar, matar." A história de D.S., de 17 anos, interno da Fase (Fundação de Atendimento Socio-Educativo, antiga Febem gaúcha) parece ser comum entre as dos mais de 50 adolescentes homicidas que vão ter seus cérebros mapeados por um aparelho de ressonância magnética num estudo em Porto Alegre, no ano que vem.

Cientistas da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e da UFRGS (Universidade Federal do RS) querem saber se o que determina o comportamento de um menor infrator é sua história de vida e se há algo físico no cérebro levando-o à agressividade.

"Algo que sempre foi negligenciado foi o entendimento da violência como aspecto de saúde pública", diz Jaderson da Costa, neurocientista da PUC-RS que coordenará os trabalhos de mapeamento cerebral. A idéia é entender quais pontos são mais relevantes dentro da realidade brasileira na hora de determinar como se produz uma mente criminosa.

Para isso serão avaliados também aspectos genéticos, neurológicos, psicológicos e sociais de cada pesquisado. Serão examinados dois grupos: um de internos da Fase e outro de meninos sem passado de crime, para efeito de comparação. O projeto vai olhar para questões sociais, mas o foco é mesmo o fundo biológico da questão.

"Estamos nos baseando em trabalhos que já existem mostrando que há um período crítico no início da vida e que se uma criança é maltratada entre o 8º e o 18º mês ela adquire comportamento alterado na idade adulta", diz um dos mentores do projeto, o secretário de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, aluno de mestrado de Costa. "Decidi no ano passado retomar a neurociência como uma opção de vida; minha opção não é fazer política até morrer", diz.

Cabeça de agressor

Para os cientistas, um ambiente de desenvolvimento inadequado pode mesmo "fabricar" um psicopata: pessoa que despreza regras de convívio social e é desprovida de sentimentos de empatia e afeto.

O papel do mapeamento cerebral por ressonância magnética na pesquisa é tentar entender a manifestação física de problemas como esse. O trabalho que inspira Costa nessa área é um artigo do grupo do neurocientista português António Damasio publicado em 1999. O estudo mostra que meninos que sofreram lesões no córtex pré-frontal -região do cérebro próxima à testa- tinham sérios problemas de sociabilidade após crescer.

"A aquisição de convenções sociais complexas e de regras morais se estabelece precocemente", diz Costa. "Essas lesões podem resultar mais tarde numa síndrome parecida com a psicopatia."

O cientista quer saber se, independentemente de lesões, meninos cronicamente violentos tenham atividade reduzida em alguma região do córtex pré-frontal, área cerebral ligada a tarefas mentais que envolvem juízo moral. "Não queremos que isso sirva como roupa sob medida para explicar todos os casos, mas pode explicar boa parte", diz.

Traumas e psicopatia

Na avaliação psicológica que complementará o estudo, três questionários serão aplicados. Um deles avalia se houve traumas na infância dos pesquisados, outro avalia o histórico de vida familiar e escolar. "Um terceiro tenta identificar se há ou não um traço de psicopatia ou comportamento violento extremo", explica Ângela Maria Freitas, psicóloga da PUC-RS que integra o projeto. O DNA dos meninos também será analisado.

O projeto de Costa e Terra ainda está sendo analisado por um comitê de ética da PUC-RS, e os cientistas se dizem confiantes de que a aprovação sairá para início dos trabalhos em março de 2008. O custo da empreitada, avaliado por Terra em cerca de R$ 120 mil, será coberto com doações da siderúrgica Gerdau para a pesquisa, afirma o secretário da Saúde.

Para grupo de pesquisa, índole violenta é uma doença mental


"Esse conhecimento tem de ser referenciado para políticas públicas", diz o secretário estadual da Saúde Osmar Terra, sobre o projeto de seu grupo com adolescentes homicidas. E colocar o problema da violência no foco da saúde, dizem os cientistas, implica em tratar as agressores crônicos como doentes mentais. "Estamos "medicalizando" questões sociais", diz Renato Flores.

Para os cientistas, a pesquisa pode identificar pontos para o Estado atuar, como o ambiente inadequado para desenvolvimento de crianças. "Acho que isso vai servir para fazer a prevenção", diz Jaderson da Costa.

Não se trata, porém, de tratar o crime como problema de natalidade, como propõe o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendendo o aborto como forma de evitar o nascimento de crianças sem amparo. "Acredito em medidas como pré-natal e assistência na primeira infância. A falta disso pode estar na gênese de muitos casos de violência", diz Costa.

Tratar o comportamento violento como uma seqüela adquirida na infância, porém, traz questões éticas. Um adolescente deve, afinal, ser culpado pela própria índole, tendo escolhido o caminho da violência? "Nessa questão o livre arbítrio está indo pelo ralo: as pessoas não escolhem ser violentas", diz Flores, que defende uma reavaliação da tradição jurídica sobre punição. "O que as neurociências dizem é que alguma coisa vai ter que mudar."

Mas e se a isenção de culpa se chocar com a segurança? Se a ciência mostrar que transtornos como a psicopatia não são curáveis, o que deve ser feito? "Acho que quando o psicopata comete um crime grave ele não pode sair da prisão", diz Terra.

Alguns agressores, porém, podem ser "tratáveis". Para isso, Flores defende o controle externo. "O que funciona é dizer ao paciente: "Vou ficar no teu pé, tu tens que vir na consulta [do psicólogo], e se tu aprontar nós vamos estar te olhando'", diz o cientista. "E controle social externo é melhor feito por nós do que pela polícia, porque nós queremos que o cara se dê bem." 
 

Problema não é no DNA, mas os genes influenciam, diz cientista


É errado enfocar a análise do comportamento violento na genética. Essa é a opinião do geneticista Renato Zamora Flores, da UFRGS, que coordenará as análises de DNA no trabalho com os adolescentes homicidas. Flores, especialista em biologia do comportamento, coordena um ambulatório para tratar casos de violência -aconselhando e tratando tanto vítimas quanto agressores.

Apesar de o grupo prestar serviços mais na área clínica e social, tentando minimizar os fatores que contribuem para agressão em ambientes familiares e escolares, o projeto funciona no Departamento de Genética da UFRGS.

Isso não significa que Flores trate a violência como um problema no DNA. "O efeito que tem um geneticista chegar e dizer "não vamos enfocar na genética" é bom", diz. "Quando tem um fanático querendo naturalizar demais os fenômenos sociais, é bom ter um geneticista para dizer "isto é excesso"."

No trabalho com a PUC-RS, Flores fará uma análise para avaliar se os meninos têm algum polimorfismo -diferença genética- que já tenha sido associada a comportamento violento em outros estudos.

"Nenhum polimorfismo age sozinho nem influencia comportamento violento sem um efeito ambiental por trás", diz o cientista. "Mas, na presença de um ambiente estressor, aqueles geneticamente mais frágeis têm o risco muito aumentado."

Um dos genes-alvo de Flores na pesquisa é o que codifica a enzima monoamina-oxidase (MAO), apontado por um estudo de 2002 do psicólogo Avshalom Caspi. O trabalho mostrou que meninos maltratados estavam sob maior risco de se tornar adultos violentos se fossem portadores de uma certa variedade do gene da MAO.

O levantamento do histórico social dos adolescentes pesquisados também será feito pelo grupo de Flores, que já está habituado a fazer isso em seu ambulatório na UFRGS.

(Folha de SP, 26/11)


Data: 26/11/2007