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Eles ensinam sem terem aprendido

Dos professores de ciências, 70% não são formados na área; em física, índice é de 90%

 

Sete em cada dez professores das disciplinas de ciências nas escolas brasileiras não têm formação específica para lecionar, isto é, fizeram faculdade em outra área ou, em menor escala, não têm sequer diploma universitário. A situação é mais dramática em física e química, em que 90% e 86% dos docentes, respectivamente, não concluíram o curso apropriado.

É o que revela estimativa do Ministério da Educação (MEC) realizada com base em dados de 2003 para as turmas de 5ª a 8asérie do ensino fundamental (6º ao 9º ano onde o ensino fundamental dura nove anos) e de ensino médio. A projeção será atualizada nas próximas semanas, tão logo o MEC consolide o novo Censo Escolar (Educacenso).

A má formação dos professores é apontada por especialistas como uma das principais causas do fraco desempenho dos estudantes brasileiros na última prova do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), que deixou o Brasil em 52º lugar entre 57 países e territórios. Os resultados foram divulgados anteontem.

A nota média dos alunos brasileiros foi 390 pontos, numa escala que vai até 800. A nota média dos países que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as nações do mundo desenvolvido e é responsável pelo exame, foi 500.

Despreparo torna ensino chato e distante do aluno

Além da falta de infra-estrutura das escolas públicas — apenas 6% delas tinham laboratório de ciências em 2005 —, o despreparo dos professores é apontado como um dos fatores que tornam o ensino chato e desvinculado da realidade dos alunos no Brasil. O Pisa avalia justamente o uso que os estudantes fazem do conhecimento científico no seu dia-a-dia.

O especialista em ensino da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) no Brasil, Célio da Cunha, diz que o país precisa investir simultaneamente na melhoria da carreira do magistério, aumentando salários, e na formação dos professores, oferecendo cursos universitários mais voltados para a atuação prática em sala de aula.

Segundo ele, o problema da formação inadequada de professores não mudou nos últimos quatro anos, isto é, no período posterior à data da estimativa do MEC.

— A situação permanece, porque, enquanto não melhorar a carreira e, simultaneamente, a formação dada nos cursos de licenciatura, fica difícil resolver o problema. Há um grande esforço do MEC e de algumas universidades, o que significa que poderemos ter uma situação melhor nos próximos anos — diz Cunha, lembrando que a Universidade de São Paulo (USP) está reformulando seus cursos, com ênfase na formação prática.

O estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) analisou a situação de todas as disciplinas. Na área de ciências, foram feitas projeções para matemática, química, física e biologia. De um lado, os técnicos consideraram o número de professores formados nos cursos de licenciatura nos últimos 25 anos. Do outro, estimaram a quantidade necessária de professores de cada área para atender os alunos matriculados.

Em física e química, não há professores suficientes

Em matemática, 72% dos docentes não tinham a licenciatura adequada. Em biologia, 42%. Em física e química, mesmo que todos os profissionais formados fossem lecionar, ainda assim faltariam professores.

— A situação não melhorou e, onde houve aumento de matrículas, seguramente piorou. Não acho que o governo tenha impulsionado políticas para reverter o quadro — diz a presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Juçara Dutra.

Segundo ela, a recém-lançada Universidade Aberta do Brasil, que se propõe a formar professores em cursos a distância, não é a melhor forma de resolver o problema.

— Curso a distância é adequado para a formação continuada, não para a inicial. Queremos que o governo nos convença, quando formar médicos e enfermeiros a distância. O ambiente universitário é fundamental para a formação dos professores — diz Juçara.

A estimativa do Inep foi feita a pedido do Conselho Nacional de Educação. A formação inadequada de professores será discutida no próximo dia 11, em seminário da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensinos Superior (Andifes). O Educacenso, novo censo escolar, registra o nome dos alunos e professores. Com isso, o governo saberá exatamente o tamanho do problema da falta de docentes.


(O Globo, 1º/12)


Data: 03/12/2007