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Opinião - Saudades de Lalo

Saudades de Lalo

Fernando Garcia de Oliveira

 

Colegas de trabalho, nem sempre temos o tempo de nos debruçar sobre o que fazemos juntos. De tratarmos da forma como nos envolvemos em nossas atividades. Por vezes, fatos fortuitos permitem que nos conheçamos um pouco melhor.

 

Inteiramente por acaso pude descobrir que Lalo – que habitualmente nos conduzia em uma D-20, cabine simples, para as atividades de campo na área atingida pela barragem de Acauã – era inteiramente solidário com aquele trabalho de extensão e com a população atingida.

 

A primeira oportunidade se daria quando em uma tarde do segundo semestre de 2003 estávamos no Costa, município de Natuba.

 

Dada a mais absoluta ausência de infra-estrutura do conjunto habitacional onde a população fora jogada, a reunião era feita nos fundos de uma daquelas casas do tipo conjunto Mariz. Daquelas cujas paredes não permitem que se coloque um armador para estender uma rede!

 

Os cartazes, usados para a dinâmica da reunião, eram afixados na parte externa da parede dos fundos.

 

A tentativa de começar a reunião revelava-se infrutífera. Um jovem homem não permitia. Ele insistia no fato de que sua situação era extremamente crítica. Estava passando fome. E ele dizia sobre as demais famílias: “Vocês pensam que alguém aqui acendeu fogão hoje? Ninguém está fazendo fogo porque não tem o que botar em cima. Eles não dizem porque têm vergonha...”

 

Não sabíamos o que fazer...

 

Decorrido certo tempo, foi possível dar início aos trabalhos daquela tarde. Seguir a programação prevista.

 

Alquebrados, constrangidos e impotentes, eu, a assistente social Maria José e a bolsista de economia Maria Nascimento, começamos a reunião.

 

Quase ao final dos trabalhos, percebi aquele mesmo jovem homem passando pela frente da casa carregando duas sacolas de mantimentos. Fiquei me indagando sobre o que via.

 

Depois, tive a explicação: Lalo havia ido à única mercearia do lugar e feito aquelas compras. Naquele dia, graças ao oportuno gesto de Lalo, voltamos em melhor estado para Campina Grande.

 

Naquele mesmo ano, Lalo organizou – através da associação dos funcionários da UFCG – uma coleta de gêneros para os atingidos do Costa. Próximo do Natal, por sua própria iniciativa, levou na mesma D20, cabine simples, tudo que havia sido arrecadado para ser distribuído entre os moradores do Costa.

 

A partir de 2004, certas viagens de Lalo à região dos atingidos pela barragem de Acauã eram feitas sem a nossa presença.

 

Explica-se: através de um acordo do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) nacional com o governo Lula passou a haver distribuição regular de cestas básicas em áreas de atingidos por barragens em diversos lugares do país. Sobretudo naqueles casos mais críticos, como é o caso de Acauã. Pois bem, a CONAB de João Pessoa providenciava o caminhão para levar os mantimentos até à região atingida. As lideranças do movimento faziam o trabalho de organização da distribuição das cestas entre as cinco comunidades de atingidos. Naquelas oportunidades, sempre tivemos em Lalo a pessoa motivada para viabilizar a contribuição da UFCG. Naquelas ocasiões, ele personificava a universidade solidária.

 

Nos últimos tempos, Lalo começou a ter problemas de saúde. Após as internações hospitalares, houve a decisão de que ele não poderia mais fazer viagens. Ele e sua D20, cabine simples, estariam restritos a trabalhos em Campina Grande.

 

Sempre que nos cruzávamos pelo campus, ele gritava da cabine: “professor quando é que vamos fazer uma viagem pra Pedro Velho?”. Sua habitual pergunta recebia sempre a mesma resposta: “qualquer dia desses”. Sabíamos ambos que ele não estava mais podendo viajar, o diálogo se transformara de fato numa cordial saudação. Recordávamos ali as agradáveis viagens que fizéramos juntos.

 

Todo este envolvimento faria com que passasse a haver forte identificação de Lalo com os atingidos. Fato que continua a ser ressaltado pelas lideranças do movimento. Em diversas ocasiões, Abel, Fátima, Oswaldo e outros nos fazem lembrar a valiosa contribuição de Lalo. Que se preserve sua memória como alguém que soube ser solidário quando necessário.

 

Sem Lalo, outros tomam do bastão. Seguimos com os mesmos trabalhos. Agora com o indispensável apoio de Jackson, Moisés (que por incrível coincidência nasceu no Engenho Geraldo em Alagoa Nova, primeiro caso de conflito de terra que tive oportunidade de assessorar. Naqueles finais dos anos 70, início dos 80), Inácio, Zé Constante, Zezinho, Seu Pedro (que substitui Lalo), Antônio, Assizinho, Ademar Barbosa, Abel Pereira, João Batista, José Moacyr, Carlos Alberes e Reginaldo.

 

As atividades de extensão não são possíveis sem a cumplicidade de determinados setores da UFCG. Mais recentemente, já no tempo do Projeto Universidades Cidadãs, temos recebido apoio decisivo do PEASA, através de Vicente. Que se associou ao que sempre nos foi proporcionado pela Prefeitura, principalmente através do professor Bonates e de Ceiça.

 

A todos, nossa gratidão.


Data: 18/12/2007