topo_cabecalho
Reuni: desafios para 2008

Reuni: desafios para 2008

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO*

 

O maior desafio para as instituições federais de ensino superior neste ano de 2008, recém começado, será certamente a implantação do REUNI.

 

O REUNI é um programa de expansão física e reestruturação pedagógica do sistema federal de educação superior, lançado pelo MEC em abril de 2007, como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação. Concebido para duplicar a oferta de vagas públicas no ensino superior, com um orçamento de 7 bilhões de Reais a serem aplicados em cinco anos, é seguramente o mais ambicioso programa dessa natureza já implantado no Brasil. Por razões ainda mal entendidas, o REUNI sofreu intensa oposição de parte do movimento estudantil. Em 26 das 53 instituições, houve tumulto e violência em reuniões de Conselhos Universitários; 14 Reitorias foram invadidas; 7 dessas ocupações somente terminaram mediante cumprimento de mandados judiciais de reintegração de posse. De nada adiantou a obtusa reação. No prazo, todas as universidades federais brasileiras aderiram ao REUNI.

 

O REUNI compreende as seguintes diretrizes: expansão de matrículas, em especial no turno noturno; diversificação das modalidades de graduação, com novos itinerários curriculares; mobilidade estudantil ampla; articulação da educação superior com a educação básica, profissional e tecnológica; programas de inclusão social e assistência estudantil; expansão da pós-graduação articulada à renovação pedagógica da educação superior. As universidades participantes do REUNI apresentaram propostas comprometendo-se com metas de eficiência: alcançar, ao final do programa, taxa de conclusão de 90 % e relação aluno/professor de 18/1. Convém registrar que o indicador da taxa de conclusão, aparentemente inalcançável como média geral do sistema, na verdade aceita e incentiva o aproveitamento de vagas residuais por mobilidade interna ou externa. Por outro lado, o indicador relação aluno/professor, ao incorporar estudantes de pós-graduação, é modulado pelos rigorosos critérios de qualidade da CAPES, a ponto de mestrandos ou doutorandos de cursos nota 7 (topo do ranking) poderem equivaler na fórmula a uma proporção de 4/1.

 

Trinta anos depois da expansão resultante do Acordo MEC-USAID-BIRD e da reforma universitária de 1968, a rede federal de ensino superior somente voltou a crescer no final dos anos 1990. Essa onda de expansão, no segundo Governo FHC, foi iniciativa das universidades públicas e caracterizou-se por uma estratégia institucional de criação de fatos consumados. A universidade abria cursos novos ou ampliava a oferta de vagas em cursos existentes sem contar com docentes, instalações, recursos financeiros; só depois se buscava criar as condições mínimas para tanto. Foi uma fase heróica, com um tipo de crescimento que podemos chamar de “autonomia-sem-apoio”. Nessa fase, as instituições federais de educação superior submeteram-se a um vigoroso ajuste que, otimizando recursos humanos e materiais, conseguiu ampliar a relação aluno/professor do patamar de 7/1 para quase 12/1.

 

A segunda onda de expansão ocorreu no primeiro Governo Lula, iniciada na curta gestão de Tarso Genro e consolidada pelo Ministro Fernando Haddad. A principal característica dessa fase foi a instalação de extensões, campi e mesmo novas instituições em regiões sem acesso à educação superior. A interiorização da universidade federal brasileira significou atendimento emergencial a demandas históricas de populações e regiões representadas por lideranças político-partidárias. Nesse caso, os fatos consumados eram criados pelo Governo Federal, com a escolha de localização e modalidade das expansões em pouca medida respeitando a autonomia das instituições universitárias. Por esse motivo, podemos dizer que, nessa fase, experimentamos um crescimento do tipo “apoio-sem-autonomia”. A estratégia institucional predominante baseava-se em implantação de cursos simultaneamente à contratação de docentes e realização dos investimentos necessários. Em outras palavras, nessa fase, o financiamento tem sido realizado durante a expansão de atividades da universidade. Os resultados dessa ampliação, ainda em curso, compreendem iniciativas patrimoniais ou institucionais, com 48 novos campi ou extensões, além de 10 universidades instituídas.

 

O REUNI inaugura a terceira fase de expansão do sistema universitário federal. Agora temos um modelo induzido de crescimento das instituições públicas de educação superior que, por um lado, respeita a autonomia universitária, acolhendo propostas específicas elaboradas por cada uma das instituições participantes do programa. Por outro lado, pela primeira vez, os investimentos em obras e instalações, a aplicação de recursos de custeio, a modelagem pedagógica, a contratação dos quadros docentes e de servidores, faz-se antes da expansão de atividades e de vagas. Essa modalidade de crescimento com “apoio-e-autonomia”, construída em parceria com a Andifes, parece em tese o melhor dos mundos.

 

Não obstante, algumas questões precisam ser consideradas. Primeiro, o REUNI introduz no sistema federal de educação superior um modelo de gestão semelhante aos contratos de metas que regulam o repasse de recursos públicos do Sistema Único de Saúde. Portanto, implica planejamento estratégico de recursos, insumos e atividades das universidades, obrigando-as a pensar o futuro de curto e médio prazo, prática ainda pouco freqüente nas instituições universitárias brasileiras. Em segundo lugar, os incentivos e apoios devem vincular-se ao atendimento de metas pertinentes, supervisionado por sistemas de avaliação existentes (como o SINAES e a CAPES) ou a serem criados. Enfim, o REUNI representa um poderoso indutor de eficiência institucional e de qualificação pedagógica e, desse modo, ao reduzir a enorme dívida social do ensino superior, implica um grande potencial de revalorização do serviço público no campo da educação.

 

Nesta conjuntura, em todas as instituições federais de ensino superior, dirigentes acadêmicos, encorajados por incentivos gerenciais e financeiros do MEC, querem mudar a universidade; docentes e técnicos, inspirados em tendências contemporâneas, elaboram novos modelos de renovação curricular; servidores, antevendo melhores condições de trabalho e valorização do serviço público, engajam-se ao processo. Porque somente os alunos, representados por uma minoria (pois a omissão da maioria estudantil não os exime da responsabilidade política), resistem às mudanças e lutam contra a expansão e reestruturação da universidade pública brasileira? Será que, hoje, forças reacionárias e conservadoras predominam no interior do movimento estudantil?

 

*  Naomar de Almeida Filho é reitor da UFBA

 


Data: 24/01/2008