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Pobreza afeta o cérebro e prejudica o aprendizado

A relação entre pobreza e aprendizado é conhecida, mas os cientistas ainda tentam explicar como isso ocorre

 

Crianças criadas em condições de pobreza têm mais dificuldade para aprender, não só por questões socioeconômicas, mas também biológicas. Pesquisas realizadas nos últimos anos comprovam que a pobreza tem impacto direto no desenvolvimento do cérebro, justamente no período mais crítico da infância, deixando seqüelas neurológicas que diminuem a capacidade de aprendizado e que podem durar para a vida toda.

 

Em países onde a pobreza é disseminada, como o Brasil, as pesquisas trazem implicações importantes para a avaliação de performance escolar e para políticas de inclusão voltadas para alunos de baixa renda, como o sistema de cotas e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Pelo que estão descobrindo os neurobiólogos, o fraco desempenho dos alunos da rede pública tem raízes que vão muito além do que acontece na sala de aula.

 

Os resultados dessa relação entre pobreza e aprendizado já são bem conhecidos dos educadores, mas os cientistas ainda estão longe de explicar como isso ocorre biologicamente. Ou, nas palavras do pesquisador Jack Shonkoff, da Universidade Harvard, “como é que a pobreza consegue atravessar a pele e chegar ao cérebro”.

 

Uma explicação simples seria dizer que crianças pobres freqüentam escolas piores, têm menos acesso a informação e cultura, portanto é natural que aprendam menos do que as outras, mais privilegiadas.

 

Nesse caso, é fácil jogar a culpa nos professores ou na falta de dedicação dos próprios alunos. Porém, segundo os cientistas, é preciso considerar também que esses alunos já entram no sistema em desvantagem, por mais dedicados que sejam.

 

A capacidade do ser humano de memorizar, lembrar e aprender novas informações depende de uma constante reconfiguração de sinapses - as ligações entre um neurônio e outro, através das quais são transmitidas e armazenadas as informações no cérebro. A maior parte dos neurônios são formados "in utero", durante o desenvolvimento embrionário e fetal, mas a planta básica de conectividade dessas células só é estabelecida nos primeiros anos de vida, à medida que a criança aprende a falar e raciocinar.

 

Numa situação de pobreza, em que há menos estímulos, piores condições de saúde, má nutrição, maior exposição a substâncias tóxicas, abuso e outras dificuldades domésticas, esse desenvolvimento primordial do cérebro pode ser prejudicado. “Uma vez que esses circuitos são fechados, não dá para voltar atrás e reconfigurar o sistema. A criança vai viver com os circuitos defeituosos para sempre”, afirma Shonkoff, diretor-fundador do Centro sobre Desenvolvimento Infantil de Harvard.

 

O assunto foi tema de um simpósio da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) na semana passada, em Boston.

 

“Não há dúvida de que ser pobre é ruim para o cérebro”, disse a organizadora do debate, Martha Farah, da Universidade da Pensilvânia.  “Os efeitos sobre a criança são significativos; não se trata de uma mera curiosidade científica.”

 

Estudos mostram, por exemplo, que crianças de três anos de idade cujos pais possuem diploma universitário têm um vocabulário três vezes maior do que crianças cujos pais não completaram o ensino básico. “Com dois anos você já pode notar a diferença”, disse Shonkoff. Mesmo entre ratos de laboratório, filhotes que recebem menos lambidas e carícias de suas mães após situações de estresse saem-se pior em testes de memória e aprendizado.

 

Segundo Martha, isso cria um círculo vicioso pelo qual crianças pobres vão mal na escola, não conseguem um bom emprego para melhorar de vida e acabam tendo filhos que vão crescer na mesma desvantagem.

 

Há um custo também para a saúde: crianças pobres são mais suscetíveis a doenças como diabetes, obesidade, dependência química e problemas cardiovasculares.

 

Caminho com volta

 

As seqüelas da pobreza no desenvolvimento cerebral, como disse Shonkoff, são profundas, mas não totalmente irreversíveis. Estudos com animais mostram que o cérebro tem “plasticidade” suficiente para se recuperar, se os estímulos positivos para que isso ocorra forem também suficientes. No caso dos seres humanos, esses estímulos podem variar desde um simples programa de leitura ou assistência social até a oportunidade de estudar numa boa escola - onde entram os programas de inclusão para alunos carentes.

 

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, estudantes de escolas públicas que receberam bônus para passar no vestibular se saíram melhor no primeiro ano de estudo do que os alunos “tradicionais”, que não receberam o benefício. Eles tiveram notas melhores em 31 dos 56 cursos avaliados no Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais) da universidade.

 

“Quanto mais velho, mais difícil fica voltar atrás, mas não há evidências de que a partir de um certo momento seja tarde demais”, explicou a pesquisadora Courtney Stevens, da Universidade do Oregon.

 

“O importante é lembrar que, se você quer construir uma boa casa, é melhor investir na fundação do que tentar reformar tudo depois.” Por isso, dizem os pesquisadores, é essencial que a intervenção seja feita de maneira preventiva, o quanto antes na vida da criança.

 

“Não se trata de altruísmo”, completou Shonkoff. “Isso é um problema econômico tanto quanto social. A educação é o que constrói a capacidade intelectual de um país, que é a base para o desenvolvimento.”

 

(O Estado de S. Paulo)


Data: 21/02/2008