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Por que ser professor

A Educação é hoje prioridade no país e sobram vagas para quem quer lecionar. Benefícios como a estabilidade e a possibilidade de desenvolver um trabalho criativo são atrativos.

 

“Ao se formar, um professor não fica muito tempo sem emprego.” A afirmação é de Ana Cléa Ayres, coordenadora de graduação da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). E não são raros também os que lecionam enquanto ainda estudam. Tal situação se explica pelo grande número de vagas no mercado. Faltam quase 250 mil educadores qualificados para atuar na rede pública de todo o Brasil, somente no segundo ciclo do Ensino Fundamental (da 5ª a 8ª série) e no Ensino Médio, situação que vem sendo chamada de “apagão”. Quem se prepara para essa carreira, contudo, encontra outros benefícios além da garantia de emprego, como estabilidade, no caso dos concursados, férias duas vezes por ano, período para trabalho pedagógico fora de sala remunerado e horário flexível.

 

“Hoje em dia, conciliar o trabalho com o estudo é um privilégio”, afirma Angélica Lourenço Pinto, 35 anos, que leciona na EE Professora Maria Jannuzzi Mascari, em São Paulo, SP. Há 15 anos no magistério – já atuou também na rede particular –, ela dá aula de manhã para uma turma de 4ª série. Por trabalhar em apenas uma escola, consegue se dedicar muito mais aos alunos e participar do trabalho da equipe.

 

Além de estar concluindo a especialização em Psicopedagogia, Angélica ainda dedica cerca de quatro horas por dia à leitura de textos passados pelos docentes e outros, que busca para aprimorar seu trabalho. “Estudo muito para ajudar os que estão com dificuldade de aprendizagem”, diz. “Ganho 1,5 mil reais mensais. Poderia cumprir mais uma jornada e receber o dobro, mas tenho outras prioridades, como a formação e o cuidado com minha filha.”

 

No que se refere especificamente ao dia-a-dia da profissão, o magistério oferece ainda outros incentivos. “Os profissionais têm autonomia para desenvolver sua atividade de forma criativa, principalmente na rede pública”, defende Ana, da Uerj. Esse é um benefício que poucas ocupações trazem e com uma compensação imediata: quando a turma aprende, logo se vê o resultado do trabalho. “Saber que os alunos na escola pública estão abertos ao conhecimento e que precisam de mim é o que me mobiliza a seguir essa profissão. Me sinto útil para a sociedade”, afirma Angélica.

 

A professora está em sintonia com a importância que a Educação vem conquistando aos olhos da sociedade brasileira e também do governo, que tem implementado várias medidas de incentivo à qualidade do ensino dentro do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em março. Cada vez mais, o setor é visto como imprescindível ao desenvolvimento econômico e social. “Está havendo uma febre pelo ensino no Brasil”, afirma Mozart Ramos, do Conselho Nacional de Educação (CNE). “Infelizmente, tivemos de chegar ao fundo do poço para que isso acontecesse. Mas deixar de acreditar que o magistério é hoje um mercado promissor é deixar de acreditar no país.”

 

Tratar o chamado “apagão” – a falta de educadores principalmente nas áreas de Química, Física, Matemática e Biologia – é questão urgente, já que os jovens ficam sem aula ou são ensinados por pessoas que não têm qualificação específica. Para atender à demanda estimada para o ensino público nas áreas mais críticas, a previsão era de que precisariam ter sido formados 55 231 docentes tanto de Química como de Física ao longo da década de 1990. No entanto, os licenciados foram apenas 7 216 em Física e 13 559 em Química. O que se vê hoje é somente 9% dos docentes de Física que atuam nas escolas públicas brasileiras com formação nessa área, segundo o estudo Escassez de Professores no Ensino Médio: Propostas Estruturais e Emergenciais, do Conselho Nacional de Educação, divulgado em julho.

 

Falta pessoal qualificado por todo o Brasil. No Pará, as disciplinas em que há a maior necessidade de mão-de-obra são Química, Física, Biologia e Geografi a. Em algumas regiões do Rio Grande do Sul, há dificuldade em encontrar quem lecione Matemática e Física – além de Inglês e Arte. No Ceará, apesar de recentes realizações de concursos para a contratação de licenciados em Química e Física, há locais em que ainda há carência de profissionais com essas formações. Na Paraíba, as mesmas especialidades são requisitadas.

 

E outras secretarias não param de contratar. Minas Gerais, por exemplo, nomeou, entre 2006 e 2007, 17 832 professores de Biologia, Física, Matemática, Química, Geografia, História e Língua Portuguesa. São Paulo realizou em 2003 o maior concurso já ocorrido numa rede estadual, oferecendo 49 mil vagas para as disciplinas de Biologia, Ciências, Arte, Física, Geografi a, História, Inglês, Matemática, Língua Portuguesa e Química. Mais de 30 mil aprovados já estão trabalhando e, até o final de 2007, a previsão é que sejam efetivados mais de 17 mil educadores.

 

Para prover o mercado de tantos profissionais, as licenciaturas precisariam produzir diplomados a todo vapor. Porém esse é um campo que exige atenção. As áreas em que há postos no mercado são exatamente as que não graduam profissionais suficientes. Pesquisa realizada pela Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras, em parceria com o Ministério da Educação (MEC) há dez anos, já mostrava altos índices de evasão. “Nada mudou de lá para cá”, lamenta Mozart Ramos. As expectativas são de que tão cedo não haja gente qualifi cada em número sufi ciente para suprir a demanda – pois os índices de evasão nos cursos de licenciatura giram em torno de 65% em Física, 75% em Química e 56% em Matemática.

 

Para Elisabete Burigo, coordenadora do curso de graduação em Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o alto percentual de evasão se deve essencialmente a três fatores. Em primeiro lugar, o pouco reconhecimento social e a baixa remuneração do ofício de docente. Em segundo, a migração de estudantes desses cursos – que têm baixa relação candidato/vaga nos vestibulares – para outros ou a desistência dos que os escolheram somente pela oportunidade de ingressar numa faculdade. Por último, a natureza dos cursos: Matemática, Química e Física são graduações com alto grau de exigência, o que nem sempre os ingressantes estão dispostos a enfrentar.

 

O curso de Matemática da UFRGS oferece 90 vagas por ano e, atualmente, apresenta cerca de 50% de evasão. Segundo Elisabete, nos anos 1990, ele chegava a 70%. Para melhorar a situação, algumas estratégias foram adotadas pela universidade, como a criação do período noturno, que atende a quem trabalha durante o dia, o incentivo às disciplinas práticas em que se exigem estágio em escolas, e as atividades em laboratórios, nas quais eles trabalham com crianças e jovens na própria faculdade. “Dessa maneira, o graduando aprende como planejar uma aula e ensinar. Pode, assim, entrar mais cedo em contato com o trabalho.”

 

 VANTAGENS DO MAGISTÉRIO


Abundância de vagas.

Férias duas vezes por ano.

Autonomia para desenvolver atividades.

Horário flexível.

Estabilidade de emprego para os concursados.

 

O PORQUÊ DA EVASÃO NAS LICENCIATURAS


Dificuldades diante do grau de exigência dos cursos.

Pouco reconhecimento da carreira de magistério.

Ausência de atividades práticas no currículo.

Proximidade com as escolas

 

A chamada “humanização do ensino” também é defendida por Ana Cléa, da Uerj. Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre e doutora em Educação, ela trabalhou na rede pública durante 12 anos, lecionando Ciências no Ensino Fundamental e Biologia no Médio. Como coordenadora do curso de Ciências Biológicas, ela defendeu a idéia de que era preciso dar mais contexto à Biologia, estabelecendo um diálogo com a sala de aula. “Isso não significa um rebaixamento do conteúdo em relação aos cursos de bacharelado, mas a mudança de enfoque, que amplia a formação meramente técnica”, diz. Assim, segundo ela, forma-se quem sabe ensinar melhor e trata a matéria com prazer, passando esse sentimento para a turma.

 

Grande parte dos que ingressam em Ciências Biológicas, Química e Física quer ser pesquisador e já durante o curso faz estágio em laboratórios de pesquisa da universidade ou em outra instituição porque acredita em melhores perspectivas de futuro fora da sala de aula. Mas muitos acabam se apaixonando pela profissão quando passam a ter um contato mais direto com a escola e seus estudantes. João Iecco, que dá aulas de Química do Colégio São Luis, em São Paulo, SP, foi um deles.

 

Na contramão das estatísticas, Iecco preferiu lecionar na Educação Básica a ser um químico e atuar na indústria. “Resolvi me tornar professor para transformar o ensino da disciplina em algo estimulante e prazeroso.” Após 22 anos, ele continua fazendo cursos e se aprimorando, além de atuar como voluntário em um curso preparatório para vestibulares e num projeto social para jovens carentes. “Minha profissão é gratificante. Para diminuir os problemas sociais do nosso país, será cada vez mais necessário tratar a educação com seriedade.”

 

É com o objetivo de valorizar a Educação que o relatório Escassez de Professores, do CNE, propõe providências para sanar a questão do apagão. Dentre as sugestões, uma já foi acatada pelo MEC, que anunciou a criação de 10 mil bolsas de iniciação à docência destinadas a quem faz licenciatura. Outra medida prevê o incentivo ao retardamento das aposentadorias de educadores. De acordo com Mozart, do CNE, “o número de aposentadorias tende a superar o de formados nos próximos anos”.

 

O documento Sinopse do Censo dos Profi ssionais do Magistério da Educação Básica 2003 do Inep/MEC mostra que, na faixa etária de 45 anos ou mais, encontram-se 35% dos professores e, na faixa crítica para a aposentadoria, encontram-se 7% – enquanto os ingressantes são apenas 3,6%. Carlos Ramiro de Castro, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), confi rma o envelhecimento na categoria. “No médio prazo, esse fator agravará o problema de falta de educadores.”

 

Outras soluções propostas pelo CNE – que poderão ser adotadas gradativamente – são a contratação de profissionais liberais, a oferta de bolsas para alunos de baixa renda nas licenciaturas e na Pedagogia na rede privada e o aproveitamento de estudantes de licenciatura como docentes. Não há como negar que tantas vagas abertas têm relação com a falta de um plano de carreira e, principalmente, com os baixos salários, que não atraem novos talentos.

 

Especialmente nas regiões mais afastadas, o quadro que se apresenta é de um grande número de profissionais lecionando disciplinas específi cas sem formação adequada (veja o quadro à esquerda). A Educação Infantil e as primeiras séries do Fundamental são um caso à parte. “O Normal de nível médio é admitido como formação mínima”, explica o especialista na área de políticas educacionais Carlos Jamil Cury, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) admita que os formados em Magistério lecionem nessse dois níveis, o mercado mostra que o caminho é buscar a qualifi cação. Nos grandes centros, os profissionais sem nível superior não são admitidos. “A LDB tem um inciso, porém, que permite às regiões que não disponham de profissionais licenciados equiparar a qualifi cação dos docentes para complementar os quadros”, ressalta Cury.

 

Para solucionar essa situação, o PDE, lançado pelo governo federal, destaca propostas que incluem a ampliação do acesso dos educadores à universidade (leia reportagem graduação) e a criação de um piso salarial nacional para o magistério. Atualmente, 43% dos docentes da Educação Básica que trabalham 40 horas semanais ganham menos do que o piso proposto pelo projeto. O valor de 950 reais, aprovado na Câmara em outubro, será atingido gradativamente até 2010. O projeto de lei que o institui deve passar por aprovação no Senado e, posteriormente, ser sancionado pelo presidente. Ele prevê também que até 2009, União, estados e municípios devem elaborar um plano de carreira que vise melhorar ainda mais as condições de trabalho docente.

 

A questão dos vencimentos é, sem dúvida, um dos maiores imbróglios a serem solucionados na área do ensino no país. Há muita disparidade entre os diferentes estados. Enquanto em Teresina, por exemplo, o piso para quem leciona 40 horas é de 535,54 reais, em Palmas esse valor é quase quatro vezes maior por hora trabalhada: 1 019 reais para 20 horas.

 

Para Mozart Ramos, do CNE, além do piso, deve ser instituído um teto salarial para a categoria, de maneira que se crie uma meta a ser alcançada ao longo dos anos. “Esse ofício precisa ser valorizado. Não dá para acreditar que alguém vá ser professor só por vocação.” Para ele, com o teto e um plano de carreira, o jovem talentoso se sentiria motivado. Os vencimentos aumentariam com base na formação, a partir do momento que fossem concluídos a especialização, o mestrado e o doutorado.

 

DOCENTES SEM FORMAÇÃO ESPECÍFICA

DISCIPLINA                        PROFESSORES
Língua Portuguesa                         44%
Matemática                                   73%
Biologia                                        43%
Física                                           91%
Química                                        87%
Língua Estrangeira                         71%
Educação Física                            50%
Educação Artística                         80%
História                                          69%
Geografia                                       74%

Fonte: Relatório do CNE com base no MEC/Inep


Mais qualificação

 

Em escolas particulares de ponta nos grandes centros, como São Paulo, a tendência também é de valorização da formação, com o pagamento de vencimentos melhores para quem se qualifica mais. Na capital paulista, um educador de Educação Infantil com pós-graduação, por exemplo, pode ganhar em torno de 4 mil reais mensais. Mas essas vagas são bem poucas.

 

Na rede particular, de modo geral, uma boa formação abre espaço para as melhores oportunidades dentro do mercado. A história de Carlos Alberto de Freitas, de Belo Horizonte, MG, comprova isso. Há cerca de sete anos, ele trabalha em dois colégios da rede privada, o Loyola e o Santa Dorotéia, nos quais ganha cerca de sete vezes mais do que quando atuava no ensino público. “Quando me formei, já tinha quatro anos de trabalho na escola pública”, conta ele, que lecionava desde o primeiro ano da faculdade de História.

 

Carlos, hoje, acumula em seu currículo duas especializações, uma em História do Brasil e outra em Educação. “O professor precisa acreditar no poder da Educação, se reciclar e conhecer muito bem o que faz. Tem espaço para muita gente, mas o topo pertence a quem realmente está preparado e em constante atualização.” Ele ressalta, contudo, que a remuneração não foi o único motivo pela escolha da rede particular: o ambiente de trabalho também se difere quando o assunto é a violência.

 

Sem dúvida, casos de agressões a professores são hoje um fator que afugenta os profi ssionais do magistério. “A violência nas escolas tem mais a ver com a falência das políticas públicas, mas, sem dúvida, a solução do problema começa na Educação Básica, com o estabelecimento de relações respeitosas entre alunos e professores e entre eles e a escola”, diz Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

 

Em algumas regiões, esse problema é realmente grave, mas não exclusivo da escola. As manifestações que ali se vêem são o refl exo do que ocorre na comunidade e na sociedade. Para a professora Angélica Lourenço Pinto, de São Paulo, cabe à equipe trabalhar para enfrentálos. “Os alunos são agressivos entre si e até com a gente, mas nós podemos mudar isso.”

 

PROPOSTAS PARA TORNAR A PROFISSÃO ATRAENTE


Estabelecer um piso salarial nacional.

Incentivar a implantação de planos de carreira.

Remunerar de acordo com o nível de formação.

Quer saber mais?
 

Relatório Escassez de Professores no Ensino Médio,  portal.mec.gov.br/cne/ arquivos/pdf/escassez1.pdf

 

(Revista Nova Escola, Janeiro/Fevereiro de 2008)


Data: 05/03/2008