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Conhecimento que ultrapassa fronteiras

Projeto Alfabetização Solidária leva educação a jovens e adultos de todo Brasil

 

Há 11 anos, desde que foi criada a AlfaSol (Alfabetização Solidária), jovens e adultos de todo o Brasil - há muito afastados dos bancos escolares - têm tido sua vida transformada pelo conhecimento. Pelas mãos de educadores, sejam eles estudantes universitários, pedagogos e alfabetizadores das mais variadas cidades do País, milhões de brasileiros analfabetos descobrem um novo mundo. Graças à determinação dos alfabetizadores solidários, hoje, essas pessoas conseguem ler, escrever e avançar no seu processo de aprendizagem.

 

Que o diga o pernambucano Sebastião Freitas de Lima, 29 anos. Natural de Bom Conselho, cidade do interior de Pernambuco, ele é exemplo de como ser iluminado com conhecimento pode transformar não só uma vida, mas a de todos que o rodeiam. Após oito anos entre ida e vindas na escola, ele entrou na Alfabetização Solidária e deixou as estatísticas do analfabetismo no Brasil. Hoje, com o Ensino Médio completo, ele sonha até em ingressar na faculdade de Administração. "O projeto construiu o primeiro degrau para que eu fosse adiante. Hoje, me sinto melhor, vejo o mundo melhor. O conhecimento faz toda a diferença porque te deixa mais independente. Não é só ter condições de ler as placas dos ônibus, mas de decidir os caminhos por onde você vai passar. Serve para você melhorar em tudo", comemora ele.

 

Lima vive em São Paulo e acredita que a passagem pelo programa foi fundamental para ele construir oportunidades de trabalho e saber se virar sozinho na metrópole. "Não dava para vir para São Paulo sem saber ler, escrever ou sem terminar a escola. Meus irmãos que já estavam aqui me diziam: 'termine de estudar e depois venha'", lembra. E ele seguiu à risca os conselhos dos irmãos. Terminou o Ensino Básico e depois, já na capital paulista, pediu transferência e concluiu o Ensino Médio. Como "tomou gosto pela coisa", Lima foi adiante no aprendizado e já fez curso de informática, estudou para ser porteiro, piscineiro e atualmente estuda mecânica de motos. "Depois que você começa a estudar não pára mais", brinca Lima.

 

Dos 14 irmãos que ele tem, alguns vivem em São Paulo, já casados e com filhos. Em empregos diferentes, todos eles conseguem sustentar as famílias, mas têm uma remuneração menor do que a do irmão estudioso. "Estudei um pouco mais e por isso ganho um pouco mais. Eles têm até a oitava série," explica. E o salário supera as expectativas de Lima. Ele serve até para ajudar os pais, ainda vivos, que moram em Bom Conselho, e os outros irmãos que ficaram por lá. "Todo mês mando uma quantia para eles. É bom poder ajudar", diz emocionado. "Durante todos os anos abandonava a escola porque priorizava o trabalho. Quando tive a oportunidade de estudar em menos tempo com a AlfaSol fiquei mais interessado e tomei gosto pelo estudo. Recomendo para todo mundo. Educação faz muito bem", afirma ele.

 

Agentes de transformação

 

A história de Sebastião Freitas de Lima poderia ter sido outra se ele não tivesse força de vontade, mas também, uma mão para apoiá-lo e ajudá-lo a vencer as dificuldades do dia-a-dia, papel assumido pelos alfabetizadores. Em sua maioria, eles são professores com magistério e muita força de vontade, em lugares onde recursos financeiros e interesse pelos menos favorecidos são escassos ou quase inexistentes. Muitas vezes, eles percorrem 200 quilômetros em estrada de terra para levar aos alunos a chance de um futuro melhor por meio da educação. Onde não há internet, retroprojetores nem outros aparatos tecnológicos que servem para estimular os alunos em sala de aula, os alfabetizadores se desdobram para tornar o aprendizado mais interessante e procuram estimular todos a persistirem.

 

Essa é a rotina da coordenadora da Alfabetização Solidária na cidade de Caracol, no Piauí, Ada Rocha da Silva. Aos 35 anos, ela é responsável pela formação dos estudantes na região e seu encaminhamento para as escolas do EJA (Educação de Jovens e Adultos). Mais do que ajudá-los a ler e escrever, é ela quem acompanha quem está pronto para continuar seus estudos. Ela os estimula para que não abandonem a escola antes do tempo. "Aqui a gente faz de tudo. É professor, é amigo, conselheiro.

 

Trabalhar com educação de jovens e adultos exige que o professor entenda as dificuldades dos alunos e adapte sua rotina para ajudá-los a evoluir sem desistir," diz Ada.

 

E as dificuldades são muitas. Falta material, tempo e até comida. Nas regiões mais carentes os alunos não conseguem estudar porque têm fome. "A gente precisa lidar com tudo isso. Muitos de nossos alunos trabalham em zonas rurais. Quer dizer, são pessoas que trabalham muito e recebem pouco. O professor tem de ter sensibilidade para isso na hora em que o aluno está na escola", explica ela. Às vezes, a realidade da região desanima Ada. Segundo ela, é muito difícil lidar com essa falta de recursos de maneira geral. Mas o que a faz persistir é ver a transformação que a alfabetização traz não só para seus alunos como para si mesma. "A gente pensa que ajuda somente eles, mas nós mesmos é que somos ajudados", acredita ela.

 

Ada fala isso porque considera sua entrada na AlfaSol determinante para sua evolução pessoal. Em 1997, ainda só com o magistério, ela decidiu que queria ajudar na alfabetização de jovens e adultos carentes da região. De lá, partiu para o Rio de Janeiro onde realizaria o treinamento de alfabetizadora. Na capital carioca, ao longo do curso e pelo contato com outros colegas, ela percebeu que precisava melhorar para ajudar ainda mais seus alunos do Piauí. Quando voltou para sua terra, a primeira decisão foi prestar vestibular para o curso de Letras da UESPI (Universidade Estadual do Piauí), graduação que concluiu em 2002. "Aqui na nossa região, a maioria do pessoal tem só o segundo grau e a gente pensa que está bom. Quando fui para o Rio de Janeiro percebi que precisava estudar mais. Então, a AlfaSol também me estimulou a evoluir", explica ela.

 

Mesmo quem já estava na universidade encontrou na Alfabetização Solidária a oportunidade de se aperfeiçoar profissionalmente, ao mesmo tempo em que também contribuía para a diminuição do analfabetismo no Brasil. É o caso do ex-universitário e, hoje, professor Davi Polisel, 39 anos. Há oito anos, quando ainda era universitário do curso de Pedagogia da Universidade Barão de Mauá, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, ele conheceu o projeto e decidiu se inscrever como capacitador dos alfabetizadores. Ele acreditava que poderia repassar aos alfabetizadores das mais diferentes regiões do Brasil o conhecimento adquirido na universidade.

 

Aprovado num processo de seleção com outros estudantes da universidade, Davi foi convidado a viajar para o Nordeste para participar da capacitação dos alfabetizadores locais da cidade de Arapiraca, próxima a Maceió, Alagoas. "Durante um ano, você participa de um curso para aprender a trabalhar com educação de jovens e adultos. Depois disso, segue para uma seletiva. Os melhores são convidados a participar da AlfaSol e ministrar cursos para os professores das regiões mais carentes do país", explica ele.

 

Ao chegar em Arapiraca, Polisel percebeu que a realidade da região era completamente diferente de sua cidade natal. Lá, sobravam dificuldades. O clima, os aspectos regionais e as carências da região contaram muito durante o processo de adaptação do universitário na cidade. Algumas adversidades enfrentadas, como a falta de água (todos os dias em horários regulares), porém, mostraram ao estudante o quanto a região era deficitária e deram ainda mais sentido à sua participação no projeto. "A gente via alunos muito interessados em aprender para alfabetizar os jovens e adultos carentes. Ao mesmo tempo, víamos como era difícil sua realidade. Sentíamos, portanto, que era nosso dever fazer o melhor por eles para que pudessem perpetuar a educação a fim de melhorar a qualidade de vida das pessoas na região", declara ele.

 

Para Polisel, não houve experiência mais gratificante enquanto esteve sentado nos bancos escolares para aprender a ser um professor. "Sem dúvida, para o estudante, vale muito a pena fazer parte de um projeto como esse. Posso dizer que é de gotinha em gotinha que se enche uma piscina. Mesmo que você passe por dificuldades e, às vezes, os problemas o desestimulem é preciso insistir no seu objetivo. Só assim as pessoas prosperam e projetos como esse seguem adiante", aposta ele.

 

A pedagoga Jaqueline Cavalari, 29 anos, também viveu a experiência de ser capacitadora da Alfabetização Solidária. Em 2004, enquanto ainda estava no terceiro ano faculdade Barão de Mauá, em Ribeirão Preto, ela passou por uma seletiva para ministrar aulas na cidade de Santana do Ipanema, em Alagoas. Na opinião dela, o que há de mais gratificante em participar de um projeto como este é notar a gratidão dos alfabetizadores. "Eles são carentes de tudo, inclusive afeto. Quanto a nós, paulistas, eles têm uma visão de que todos somos bem-sucedidos e nos admiram por isso. É uma experiência única poder ajudá-los e mostrar que dentro de suas regiões e com todas suas dificuldades eles também podem fazer a diferença e ser alvo da admiração de seus alunos", explica a professora.

 

Jaqueline era uma das três mulheres que fazia parte do grupo de 20 alunos que foi convidado para ministrar aulas em Santana do Ipanema. A carência da região - novamente a falta de água -, de recursos e material didático a deixou sensibilizada e ao mesmo tempo também serviu de estímulo para levar o programa adiante. "É muito difícil a gente se deparar com uma realidade dessas. Longe da nossa cidade há inúmeras outras cidadelas carentes. Pessoas muito pobres que tentam transformar sua realidade local. Participar deste processo é extremamente compensador", afirma ela.

 

Quando questionada se teria a mesma garra em continuar a ser professora mesmo em situações adversas como as enfrentadas pelos seus alfabetizadores Jaqueline é taxativa: "Particularmente acredito que teria a mesma garra que eles têm. Enfrentar a falta de recursos como eles enfrentam não seria um obstáculo que me faria desistir da profissão nem do ideal de diminuir os índices de analfabetismo no País. Acho ainda, que o momento mais importante da vida escolar é a alfabetização.

 

Hoje, numa sociedade cada vez mais competitiva, saber ler, escrever e ter o nível básico de estudos é a saída para reivindicar melhores condições de vida", aposta Jaqueline.

 

(Portal Universia)


Data: 28/03/2008