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Superbactéria come antibióticos

Grupo dos EUA descobre seres que toleram os remédios; alguns podem viver exclusivamente deles. Micróbios vivem no solo e não causam doenças em humanos, mas cientistas temem que eles passem genes a parentes perigosos

Uma equipe nos Estados Unidos descobriu uma grande quantidade de seres vivos com um comportamento aparentemente suicida: superbactérias que devoram antibióticos. A má notícia só não é completa porque nenhuma delas causa de doenças em humanos -apesar de terem parentes próximas com essa capacidade e poderem servir de reservatório genético de mecanismos de resistência a antibióticos.

Um dos maiores temores da medicina hoje é o aumento da capacidade de resistência de micróbios causadores de doenças aos antibióticos que deveriam matá-los. Cada vez mais surgem linhagens de micróbios mais e mais resistentes -como os causadores de tuberculose.

O aspecto mais surpreendente da descoberta, segundo George Church, da Escola Médica Harvard, foi que "muitas bactérias, em muitas amostras de solo, podem não só tolerar antibióticos como viver deles como sua única fonte de nutrição", conforme declarou em entrevista gravada divulgada pela revista "Science", onde o achado foi publicado hoje.

Algumas toleraram concentrações de antibióticos de 50 a 100 vezes maiores que o índice usado para definir o começo da resistência a esses remédios. Por isso, foram chamadas de "super-resistentes".

Ironicamente, Church e colegas não procuravam superbactérias. Eles procuravam micróbios capazes de eliminar toxinas do solo, que servissem de "lixeiras" capazes de converter resíduos em algo inócuo.

Os antibióticos serviriam para testar as bactérias e controlar melhor os experimentos. Até que se descobriu que muitas delas estavam transformando os antibióticos em uma fonte do elemento carbono. O grupo então isolou centenas de bactérias de 11 tipos diversos de solo. E viu como as superbactérias eram comuns, além de pertencerem a diferentes categorias.

Foram testados 18 antibióticos, de origem natural, como a penicilina, ou sintética, como a ciprofloxacina. "Cada antibiótico testado foi capaz de apoiar o crescimento bacteriano. Seis entre os 18 apoiaram o crescimento em todos os 11 solos", redigiram os autores.

A resistência aos antibióticos se dá de diversas maneiras. Há bactérias capazes de bombear o remédio para fora da sua célula; outras usam enzimas que inativam o composto antibiótico.

A resistência é transmitida por transferência lateral ou horizontal de genes, por meio da qual um organismo passa material genético para outro que não é seu descendente. Não se conhece ainda o mecanismo que permite às superbactérias resistir aos antibióticos e também degustá-los.

Para os pesquisadores, a transferência lateral de genes que codificam a maquinaria enzimática responsável por uma bactéria conseguir viver comendo antibióticos sintéticos, de micróbios no solo para causadores de doenças, "poderia introduzir um novo mecanismo de resistência até agora não observado na clínica".

O risco existe, mas não é provável. Nos locais do corpo humano passíveis de infecção existe comida de sobra. Não faltam fontes de carbono. Para o patógeno, só resistir ao antibiótico já está bom. Comê-lo seria um luxo desnecessário.


(Folha de SP, 4/4)


Data: 04/04/2008