topo_cabecalho
Deve haver contrapartida ao ensino público?

Tema desperta controvérsia. Veja o que acham políticos e acadêmicos

 

Os estudantes universitários do ensino público deveriam de alguma forma pagar ou compensar o Estado pela gratuidade de seu ensino? A questão é controversa e por enquanto nada de concreto foi feito para mudar ou aperfeiçoar o modelo atual de financiamento do Ensino Superior público. Segundo o MEC (Ministério da Educação) em 2007 o custo anual de cada aluno de universidade federal aos cofres públicos foi R$ 15.118,04 - ainda não há dados referentes a 2008. A meta do ministério é que esse custo chegue a R$ 9.403,39 até 2012 com os esforços do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais).

 

O deputado federal João Matos (PMDB-SC), presidente da comissão de Educação da Câmara, acha que uma contrapartida à gratuidade poderia ser justa. "Quem não teve o privilégio de nascer numa família mais abastada, via de regra, acaba por estudar e disputar vagas em universidades privadas. Paga pelos seus estudos", diz o parlamentar, que pondera a respeito da contrapartida por meio da prestação de serviços por parte dos estudantes. "Acho muito justo uma vez que quem entra numa universidade paga. (A prestação de serviços) poderia sim ter uma forma de financiar o estudo daqueles que não pagam. De repente dedicar algum tempo para o interesse comunitário", afirma Matos, que admite que algo dessa natureza não teria êxito se não fosse obrigatório. "Se for opcional não funciona", acredita ele.

 

O deputado faz uma crítica ao modelo de financiamento do Ensino Superior público, que classificou como "equivocado". "Temos de adotar um modelo que permita o acesso e a permanência de mais estudantes. Poderíamos nos espelhar num modelo internacional qualquer que atendesse nossas necessidades. Cobrar uma contrapartida por meio de prestação de serviços poderia ser uma forma de permitir ao governo direcionar mais verbas para financiar o estudo de mais alunos", opina o deputado. Nesse sentido, o governo sinaliza com a possibilidade de usar a mão-de-obra dos recém-formados para financiar a concessão de bolsas.

 

No mês de março, o MEC anunciou que pretende viabilizar o pagamento das dívidas do Fies (Programa de Financiamento Estudantil) através da prestação de serviços. O governo está interessado principalmente nos estudantes de Medicina e Pedagogia, quer direcionar os médicos recém-formados para suprir a deficiência de regiões mais pobres do Brasil. O mesmo com professores. Falta aparar arestas com a área financeira da União, que teria de abrir mão de boa parte de recursos com o não-pagamento das dívidas. O Fies é usado para bancar a graduação de estudantes de instituições particulares que não podem pagar as mensalidades. Só podem usar o Fies estudantes matriculados em universidades cadastradas no programa e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo MEC.

 

Para o senador Critovam Buarque, presidente da comissão de Educação do Senado, todo curso tido como de interesse público deveria ser oferecido gratuitamente pelo Estado, sem a cobrança de qualquer contrapartida. A idéia de Buarque é que o MEC elabore uma lista de cursos de interesse público de tempos em tempos, para nortear as autoridades sobre quais seriam os cursos gratuitos. "O Brasil precisa de médicos, engenheiros, professores... tem de ser de graça, independentemente de ser (ministrado em universidade) estatal ou privada. Quem quisesse ser professor não deveria pagar pelo curso. Agora, aqueles cursos que não são de interesse ou que tiver profissional de sobra deveria ser pago. Porque nesse caso, a pessoa estuda somente pelo interesse pessoal dela", diz Buarque.

 

O senador acha também que deveria ser feita a opção de levar os estudantes recém-formados para trabalhar em cidades do interior do Brasil como forma de melhorar a formação deles. Ele reconhece que não há viabilidade política de se aprovar um projeto como esse no Congresso, mas não se mostra desestimulado por causa disso. "Não vou propor somente coisas que acho que serão aprovadas", resume. Buarque estima em 400 mil o déficit de professores no Brasil e diz que embora o custo para a formação desses profissionais seja alto, mais alto ainda é a ausência dos mesmos para a sociedade. "Ninguém pergunta o quanto vai custar não fazer alguma coisa. As pessoas só sabem questionar o quanto custa fazer determinada coisa. Mas quanto vai custar para o Brasil não formar esses professores de que precisamos?", questiona o parlamentar.

 

A idéia de se cobrar mensalidades dos alunos de graduação do ensino público já foi ventilada nos debates acerca de possíveis contrapartidas à gratuidade do Ensino Superior público. Entretanto, poucos são os defensores de tal proposta. Para os que defendem, existe o argumento de que no setor público estão, predominantemente, alunos vindos de classes sociais mais endinheiradas oriundas de escolas privadas de ensino Fundamental e Médio. Aí se estabeleceria o paradoxo: o ensino público seria dominado por estudantes que têm condições de pagar enquanto os estudantes de baixa renda, advindos do ensino fundamental público - com menor qualidade -, teriam de financiar seus estudos na iniciativa privada.

 

Esta linha de raciocínio, aliada à imensa maioria de vagas de Ensino Superior concentrada na iniciativa privada, restringiria ainda mais o acesso daqueles que tiveram formação em escolas fundamentais de menor qualidade. O censo realizado pelo MEC em 2005 apontou que 89% das Instituições de Ensino Superior eram privadas. Do total de 4.453.156 universitários brasileiros, 3.260.967 alunos estudavam em cursos de graduação privados e 1.192.189, em instituições públicas. Pelo levantamento do governo, o setor privado domina também a oferta de novas vagas em nível superior (87,1%) e o número de nos cursos (69,7%).

 

José Dias Sobrinho, professor titular aposentado da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e docente de pós-graduação em Educação da Uniso (Universidade de Sorocaba), rechaça a possibilidade de cobrança de mensalidades em universidades públicas. "O ensino público deve ser gratuito de qualidade em todos os níveis. É dever do Estado. Não é por meio de privatização que se atingirá a equidade. O que o Estado tem de fazer é abrir o acesso ao ensino público. E quando não atende a todos, criar programas como o Prouni e o Reuni", declara Dias.

 

Sobre a possibilidade de o governo usar a mão-de-obra dos estudantes das universidades públicas, Dias se coloca relativamente simpático à idéia. "Digamos que não seja contra isso, mas não é o essencial. Não deveria uma coisa ser vinculada a outra. A contrapartida está no âmbito da ética pública, todos os cidadãos tem obrigações de operar na responsabilidade pública. Não diria que a prestação de serviços posterior devesse ser uma condição para a freqüência num ensino de qualidade", pondera o professor.

 

O argumento de que há uma preponderância de alunos endinheirados no ensino público Superior é questionado pela ex-diretora da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), Ivette Senise. Segundo ela, "criou-se uma fantasia que não está baseada em fatos". "Na USP tem havido uma facilitação para a inserção dos alunos das escolas públicas. Embora o Vestibular seja mais difícil, ele esta baseado no mérito pessoal. Infelizmente a escola pública tem sido vítima de descaso do poder público, mas mesmo assim temos muitos alunos na USP vindos do ensino público. É preciso concentrar esforços no sentido de melhorar as escolas públicas", afirma Ivette.

 

Sobre a possibilidade de contrapartida por meio do uso de mão-de-obra, Ivette se mostrou contrária à proposta na graduação. "Os cursos de graduação devem ser oferecidos sem contrapartida. Mas a coisa muda de figura na pós-graduação. Quem faz esses cursos são profissionais já colocados no mercado e com alguma estrutura. Na graduação é diferente porque os alunos estão em preparação e precisam se situar", opina ela.

 

(Portal Universia)


Data: 07/05/2008